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PAIS QUE CULTIVAM VIDAS: O CUIDADO À SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES POR MEIO DA PARTICIPAÇÃO DOS PAIS EM GRUPOS DE REFLEXÃO – RELATO DE EXPERIENCIA
Isabela de Souza Camacho, Daniela Cristina Grégio d'Arce Mota, Thatiana Toledo, Poliana Emerich, Vanessa Roncoleta, Glaucia Quissi dos Santos

Última alteração: 2012-07-30

Resumo


Este trabalho é um relato da experiência de um projeto de extensão do curso de Psicologia junto a uma instituição não governamental de caráter religioso que atende crianças e adolescentes em regime de contraturno ou que fazem parte do projeto “Menor Aprendiz”.

O projeto teve inicio em 2006, por solicitação da Instituição, visando unir e potencializar a capacidade e recursos da Instituição, da Universidade Estadual de Maringá e da comunidade tendo em vista a solução de problemas e melhoria da qualidade de vida das famílias atendidas. Entre os problemas detectados estavam: dificuldades na educação dos filhos, o risco e/ou uso de drogas; a baixa adesão nas atividades sócio-comunitárias promovidas pela entidade, dificuldades de relacionamento familiar, entre outros.

Desde o começo até hoje, muitas mudanças ocorreram na Instituição parceira, como troca de toda equipe de funcionários, modelo de gestão e com a comunidade atendida por ela.  Como consequência, o projeto teve que ser reformulado muitas vezes para se adequar a cada nova realidade institucional.

Em 2009 surge uma nova proposta: Escola para Pais. A idéia nasceu das experiências anteriores, em que se pode constatar o quão pouco os pais conheciam acerca do desenvolvimento dos filhos e também a dificuldade em lidar com eles, uma vez que estes apresentavam características peculiares conforme a fase do desenvolvimento, tanto do ponto de vista orgânico, quanto do ponto de vista psicossocial. Tais aspectos passam a exigir dos adultos que os rodeiam outras formas de conduta, diferentes daquelas até então utilizadas.

A família, desde os tempos mais antigos, corresponde a um grupo social que exerce marcada influência sobre a vida das pessoas, sendo encarada como um grupo com uma organização complexa inserido em um contexto social mais amplo com o qual mantém constante interação (Biasoli-Alves, 2004). O grupo familiar tem um papel fundamental na constituição dos indivíduos, sendo importante na determinação e na organização da personalidade, além de influenciar significativamente no comportamento individual por meio das ações e medidas educativas tomadas no âmbito familiar (Drummond; Drummond F., 1998). A família proporciona o primeiro e mais importante contexto interpessoal para o desenvolvimento humano e, como resultado, as relações familiares têm uma profunda influência sobre a saúde mental das crianças e adolescentes.

Constituída com base nas relações de parentesco cultural e historicamente determinadas, a família inclui-se entre as instituições sociais básicas e é apontada como elemento-chave não apenas para a sobrevivência dos indivíduos, mas também para a proteção e a socialização de seus componentes, transmissão do capital cultural, do capital econômico e da propriedade do grupo, das relações de gênero e de solidariedade entre as gerações (Carvalho, 2003).

Uma vez que a família, segundo Kalina e Grynberg (1985), corresponde ao encontro de um determinado número de pessoas que convivem sob o mesmo teto desempenhando uma série de atividades que lhe garantem as trocas com o meio e lhe asseguram a sobrevivência, é necessário que os membros dessa família assumam uma série de papeis para que o grupo se desenvolva equilibradamente. “Estes papeis vão expressar a extensão de sua responsabilidade, suas funções e deveres para com o grupo” (Idem, p. 28).

O papel dos adultos dentro do grupo familiar é o de oferecer a base inicial aos mais jovens, a bagagem de regras e normas essenciais para o social, bem como atuar como modelos introjetados, geralmente como ideais, cujas atitudes e comportamentos serão transmitidos às gerações que os sucedem (Biasoli-Alves, 2001).

As mudanças que ocorrem nos filhos durante o seu desenvolvimento acontecem num determinado tempo e se delimitam num certo espaço, contidas entre a família e a sociedade onde se manifestam. Porém a mudança mais significativa para os pais, com certeza, se expressa na própria mudança em suas atitudes e valores frente a cada fase do processo evolutivo dos filhos, sendo a adolescência a mais importante delas.

É necessário ressaltar que o período da adolescência requer muitas mudanças nos padrões entre adolescentes, seus pais e a família (Teixeira, 1996), pois o processo de adolescência não afeta apenas os indivíduos que estão passando por este período, mas também as pessoas que convivem diretamente com os mesmos, principalmente a família. Apesar de a adolescência ser considerada por muitos como um fenômeno universal, que acontece em todos os povos e em todos os lugares, o início e a duração deste período evolutivo varia de acordo com a sociedade, a cultura e as épocas, ou seja, esta fase evolutiva apresenta características específicas dependendo do ambiente sociocultural e econômico no qual o indivíduo está inserido (Osório, 1996).

Desta forma, aos pais cabe o papel de líderes, orientadores, os quais dão as diretrizes que devem ser respeitadas e aceitas, para que o desenvolvimento do grupo seja harmonioso. No entanto, este papel dos pais é questionado pelos filhos, quando estes chegam à adolescência, fazendo com que os mesmos se sintam ameaçados em sua tarefa de educar.

Os problemas relatados pelos pais durante os trabalhos realizados no projeto foram: dificuldades na educação dos filhos, o risco e/ou uso de drogas; conflitos relacionais entre pais e filhos, entre os casais e o desempenho dos papéis familiares de pai, mãe, avós, tios e filhos.

A proposta iniciada em 2009, Escola para Pais, objetiva então informar os pais acerca da dinâmica própria de cada fase do desenvolvimento humano e as implicações destas nas relações familiares, bem como a criação de um espaço para a liberação de conteúdos emocionais, por parte dos pais, frente à tarefa de educar.

Como objetivos específicos busca-se propiciar o processo de conscientização e fortalecimento dos pais na educação dos filhos; facilitar uma atuação "sustentadora/acolhedora" destes para com seus filhos; criar possibilidades dos pais  reescreverem a própria história e transformá-la;  auxiliar na prevenção de situações de risco, como: conflitos ou violência familiar, gravidez na adolescência, uso de substância psicoativas; possibilitar a melhoria do relacionamento intrafamiliar e família-instituição.

Assim, foram formados dois grupos operativos com 20 integrantes em média cada, que se reuniam quinzenalmente, em horário definido com estes e com a Instituição. Nestes encontros buscou-se aliar a informação à ação. Cada grupo foi coordenado por uma  estagiária do curso de Psicologia e  uma psicóloga,  com a supervisão da Assistente Social da Instituição que também colaborou com o projeto, ficando responsável por temas relacionados a sua área de atuação e por viabilizar os recursos de multimídia, sala compatível com o tamanho do grupo e materiais de apoio necessários para o bom desenvolvimento do trabalho. Todo o Projeto é orientado pela professora coordenadora em reuniões com a equipe, visando à troca de informações, o estudo teórico, planejamento e avaliação contínua das atividades, buscando a consecução dos objetivos.

Para o desenvolvimento das atividades, são utilizadas técnicas psicodramáticas, além de filmes e pequenas palestras. O psicodrama possibilita a leitura relacional das dificuldades vividas na família, pois a essência do paradigma moreniano situa o homem como um ser em relação (Moreno, 1975). Oferece, portanto, aos participantes e ao grupo, a oportunidade de se obter insights sobre formas relacionais, conflitos interpessoais, bem como as dificuldades inerentes à pessoa e às tarefas próprias do papel de pais. Pretende-se dar as pessoas a oportunidade de perceberem, mediante a ação psicodramática, os medos, receios, angústias e condutas disfuncionais que vem habitualmente mantendo no contexto familiar.

Além do psicodrama, este projeto também conta com os princípios do trabalho com famílias pautado na Política Nacional de Assistência Social e na Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS, desenvolvendo um trabalho integrado entre a psicologia e assistência social.

Foram trabalhados até o momento os temas: Drogas: o que os adolescentes buscam nelas; Violência e violação de direitos; Limites: o papel da família na educação de crianças e adolescentes; Relações familiares: o papel de cada membro; Gênero masculino e feminino; Desenvolvimento humano: características biopsicossociais da criança e do adolescente; Sexualidade: tabus, formas de prevenção.

Neste ano de 2012, muitos pais se mudaram ou tiveram que tirar os filhos da Instituição, ficando inviável a continuidade no projeto. Com isto, os participantes que ficaram se reuniram em um único grupo de 19 pessoas, entre pais e mães. Não houve problemas em relação a isto, visto que os participantes já se conheciam e foram eles mesmos que sugeriram que os dois grupos se fundissem, dando até um nome ao novo grupo: “Pais que cultivam vidas”.

Assim, concluímos que o projeto foi benéfico por melhorar as relações interpessoais, incluindo a relação com os filhos, com o cônjuge e com a família de origem, e para o aumento do repertório de solução de problemas e autocuidados, tanto nos pais quanto nos filhos.

Considerando a abrangência da proposta e objetivos deste projeto que implicam em mudanças subjetivas e complexas, difíceis de serem mensuradas, pode-se afirmar que algumas metas foram atingidas junto às famílias: a percepção de questões relacionadas a gênero, família, sociedade e cidadania; maior participação junto à instituição e comunidade; prevenção de situações de risco, tais como: conflitos ou violência familiar, gravidez na adolescência, uso de substâncias psicoativas; melhoria do relacionamento intrafamiliar e família-instituição.

Em relação à equipe observou-se o desenvolvimento da sensibilidade, conhecimentos e habilidades profissionais para compreender a realidade da comunidade; integração das ações educativas; vivência do trabalho interdisciplinar e de parcerias institucionais; maior compreensão da realidade social e dos problemas da população alvo por meio do contato direto, além do conhecimento de teorias e técnicas que não constam do Projeto Pedagógico do Curso de Psicologia da UEM. Este projeto vem ao encontro da ideia de que o trabalho do psicólogo não deve restringir-se aos espaços do consultório ou às demandas de uma instituição de saúde mental, mas deve alcançar cada vez mais a comunidade.

 

Referências

 

Biasoli-Alves, Z.M., R. Fischman (Org) (2001).  Crianças e adolescentes: construindo uma cultura da tolerância. São Paulo: EDUSP.

Biasoli-Alves, Z.M. (2004). Pesquisando e intervindo com famílias de camadas diversificadas. In: C. R. Althoff; I. Elsen; R. G. Nitschke (Org.), Pesquisando a família: olhares contemporâneos (p. 91-106). Florianópolis: Papa-livro.

Carvalho, I. M. M., Almeida, P. H. (2003). Família e proteção social. São Paulo em Perspectiva,  v. 17, n. 2, 109-122.

Drummond, M. C. C., Drummond F.(1998). Drogas: a busca de respostas. São Paulo: Loyola.

Kalina, E., Grynberg, H. (1985). Aos pais de adolescentes. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

Moreno, J. L. (1975) Psicodrama. São Paulo: Cultrix.

Osório, L.C.(1996).  Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas.

Teixeira, C. M. F. S.  (1996). Vivência com pais de  adolescentes: uma proposta de curso que facilita o relacionamento. Rev. Latino-am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 4, n. 2, 73-85.

 

Área temática: Psicologia, Saúde e Processos Clínicos


Palavras-chave


: Psicologia da Saúde, Atenção Psicossocial, Cidadania.

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