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ESTRESSE GESTACIONAL POR INVERSÃO DE CICLO CLARO-ESCURO AUMENTA A PREFERÊNCIA POR ETANOL EM RATOS ADULTOS
Elaine Lucas Santos, Annye de Picoli Souza, Edson Lucas Santos, Kely de Picoli Souza

Última alteração: 2012-08-02

Resumo


 

1                 INTRODUÇÃO

O consumo de etanol é um problema que merece atenção e investigação quanto a possíveis fatores que causam ou mantêm o comportamento aditivo (Richoux, Ferrand et al. 2011). Estima-se que o risco de alcoolismo devido a fatores genéticos seja de 60%, enquanto os outros 40% são devido a fatores culturais, sociais e ambientais, tais como crises financeiras e emocionais, isolamento social, separações e perdas, dentre outros (Hingson, Heeren et al. 2011).

O desenvolvimento da adição está relacionado a várias adaptações induzidas por drogas psicoativas, cujo potencial de abuso está relacionado ao controle do funcionamento neurológico, alterando tanto funções quanto estruturas anatômicas dos sistemas de neurotransmissão, GABAérgicos, glutamatérgicos, colinergicos dopaminérgicos, serotoninérgicos e de peptídeos opióides (Tomkins and Sellers 2001). Dentre as vias neurais por eles moduladas destacam-se o sistema de recompensa, memória, motivação e autocontrole altamente afetado por modulação dopaminérgica (Tomkins and Sellers 2001).

            O estresse gestacional induzido por fatores nutricionais, hormonais, sociais, físicos e psíquicos pode alterar o desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e de diversos outros sistemas fisiológicos de forma transitória ou permanente. A programação precoce de comportamentos tardios por estresse gestacional tem sido relacionada a comportamentos de ansiedade, depressão, esquizofrenia, déficit de memória, isolamento social, bem como ao aumento da vulnerabilidade ao consumo de drogas (Bowman, MacLusky et al. 2004; Seckl 2004; Khashan, Abel et al. 2008; Zuena, Mairesse et al. 2008).

Neste contexto, nosso objetivo foi investigar o efeito do estresse induzido por meio de inversões repetidas de ciclo claro/escuro no período gestacional, sobre o comportamento alimentar, a evolução da massa corporal e a preferência pelo consumo de etanol em ratos adultos.

2          MATERIAIS E MÉTODOS

2.1       Grupos experimentais

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética no Uso Animal (CEUA) do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília por meio do documento UnBDOC n° 47921/2010.

Ratas Wistar adultas com 90 dias foram colocadas para acasalamento e a prenhes foi confirmada por esfregaço vaginal, sendo dividas em dois grupos: genitoras (G) Controle (G_Controle, n=5) e genitoras submetidas a estresse gestacional (EG) (G_EG, n=9). As proles dos G_Controle formaram o grupo Controle (Machos n=24 e Fêmeas n=8) e as dos G_EG formaram o grupo EG (Machos n=50 e Fêmeas n=16). 

 2.2      Modelo de estresse gestacional

As genitoras do G_EG foram submetidas à inversão periódica de ciclo claro-escuro (ciclo claro as 18 as 6 h e ciclo escuro das 6 as 18 h) a cada quatro dias durante toda a gestação. As genitoras do Grupo Controle foram mantidas em ciclo claro-escuro padrão (ciclo claro das 6 as 18 h e ciclo escuro das 18 as 6 h).  

2.3       Procedimentos pós-natal

As ninhadas foram mantidas com 8 animais até o desmame que ocorreu aos 21 dias após o nascimento (PN21). Em seguida, as proles foram separadas de acordo com o sexo, em caixas coletivas de 4 animais cada e mantidos em condições padrão de alimentação (ad libitum), temperatura (24ºC ± 1ºC) e luminosidade (ciclo claro as 6 as 18 h e ciclo escuro das 18 as 6 h). 

2.4       Comportamento alimentar 

Os animais foram pesados semanalmente para acompanhamento da evolução da massa corporal em gramas, entre os dias pós-natal 21 e 120 (PN21 e PN120, respectivamente). Adicionalmente avaliou-se a média de consumo diário de água (ml) e ração (g) por caixa durante o mesmo período.

2.5       Comportamento de preferência por etanol

Aos 120 dias de vida pós-natal (PN120), os animais dos grupos Controle e EG foram testados quanto à sua preferência pela ingestão de etanol. Foram disponibilizadas a todos os animais 2 garrafas, uma contendo água e outra etanol 10%. Diariamente foram avaliados o consumo de ambos os líquidos por um período de 5 dias consecutivos. No quinto dia após o início da exposição ao consumo de etanol, os animais foram submetidos a uma nova avaliação em Campo Aberto.

Campo Aberto: Modelo circular de fórmica branca com 80 cm de diâmetro e 36 cm de altura cujo fundo é dividido em 3 círculos concêntricos chamados de anéis subdivididos em 24 espaços iguais chamados de quadrantes. Foram observados os comportamentos de ambulação (números de espaços cruzados pelo animal com as 4 patas, ou, número de quadrantes explorados), grooming, que significa limpar, ou seja, dirigir as patas dianteiras em direção à cabeça e ao corpo, ou aos genitais;  rearing, ou seja, levantar-se sobre as patas traseiras; freezing, que significa o tempo de congelamento e por fim, o número de bolos fecais.

3.6       Análise estatística

            Os dados são expressos em média ± erro padrão da média (EPM). A análise estatística dos dados dos grupos EG e Controle foi realizada pelo Student t test utilizando-se o GraphPad Prism 5. As diferenças entre os dados foram consideradas significativas quando p<0.05.

 

4                 RESULTADOS

4.1            Consumo alimentar, evolução da massa corporal e preferência por etanol

Não houve diferença no consumo alimentar (água e ração) e no desenvolvimento da massa corporal dos animais de ambos os sexos dos grupos Controle e EG durante o período avaliado. Entretanto, observou-se aumento no consumo médio diário de etanol nos animais machos e fêmeas do grupo EG. 

4.3       Avaliação Comportamental em campo aberto após exposição ao etanol

 Após quatro dias de ingestão de etanol, os animais foram submetidos a uma avaliação única em teste de campo aberto. Nas fêmeas houve aumento no número de quadrantes invadidos, redução no tempo de freezing e aumento no número de respostas de rearing.

5          DISCUSSÃO

O alcoolismo é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o consumo de bebidas alcoólicas de forma continuada, causando prejuízo emocional, social e físico ao indivíduo (Babor 2010). O abuso no consumo de etanol, bem como a dependência da droga é um problema que mundial. Muitos são os problemas econômicos e sociais gerados em consequência do uso desta substância, bem como acidentes automobilísticos, violência de vários níveis, redução da produtividade intelectual e laboral (Babor 2010; Moore 2010).

            O estresse gestacional tem sido apontado como causa para a programações de vários comportamentos tardios  (Markham, Taylor et al. 2010; Markham and Koenig 2011; Varcoe, Wight et al. 2011). O modelo de estresse gestacional por inversão periódica do ciclo claro-escuro mostrou-se capaz de aumentar a ansiedade e causar déficit de memória e aprendizagem, porém, mesmo que comportamentos de ansiedade possam ser relacionados à ansiedade (Simon, Von Korff et al. 2006) não foi observada alteração no consumo alimentar nem na massa corporal dos animais que sofreram esse tipo de estresse gestacional.

Nossos resultados mostraram que o modelo de estresse gestacional adotado, embora não tenha interferido nos hábitos alimentares comuns, teve impacto no consumo e na preferência por etanol, aumentando significativamente a ingestão da droga, principalmente nas proles do sexo feminino. O consumo de tal substancia aumentou nas fêmeas, comportamentos motores e exploratórios, porém nos machos não foram observadas alterações comportamentais após a ingestão aumentada de etanol.

Estudos mostram que modelos de livre acesso ao etanol, como o adotado em nosso estudo, tem se mostrado eficiente em determinar a vulnerabilidade de determinados animais à adição (Wolffgramm and Heyne 1995; Bhave, Snell et al. 1996; Spanagel 2000). Uma vez que um dos circuitos envolvidos no processo de adição envolve a amígdala e o hipocampo  (Chastain 2006) e estas são estruturas modificadas pelos glicocorticóides oriundos do estresse gestacional  (Bergman, Sarkar et al. 2010; Davis, Glynn et al. 2011; Schulz, Pearson et al. 2011) é possível que, além de programar comportamentos emocionais e cognitivos, os glicocorticóides alterem e programem também uma das vias da adição.

Quatro circuitos neurais integrados medeiam os três estágios do processo de adição: desintoxicação, fissura ou compulsão e abstinência. O primeiro circuito encontra-se no núcleo accumbens e na parte ventral do globo pálido, modulando o processo de recompensa  (Volkow, Fowler et al. 2007). O segundo circuito localiza-se dentro do córtex orbitofrontal e do córtex subcaloso e é o principal responsável pela geração de motivação e resposta emocional. O terceiro circuito se encontra na amígdala e no hipocampo e está relacionado á memória e aprendizagem. O último circuito que se localiza no giro do cíngulo anterior e no córtex pré-frontal é responsável pelo controle da cognição e pela função executiva (Volkow, Fowler et al. 2007). Estes circuitos, assim como todo o sistema nervoso, apresentam durante a gestação alta vulnerabilidade à plasticidade, sendo passíveis de influência e modificação por diversos agentes estressores (Buitelaar, Huizink et al. 2003).

            Com base em nossos resultados, podemos afirmar que o estresse gestacional por inversão do ciclo claro-escuro é um evento que programa a vulnerabilidade ao consumo de etanol da prole adulta. No entanto, é de suma importância o desenvolvimento de outros estudos que apontem possíveis programadores de adição de etanol, assim como de outras drogas e a elucidação das vias envolvidas.

 

REFERÊNCIAS

Babor, T. F. (2010). "Public health science and the global strategy on alcohol." Bull World Health Organ 88(9): 643.

Bergman, K., P. Sarkar, et al. (2010). "Maternal prenatal cortisol and infant cognitive development: moderation by infant-mother attachment." Biol Psychiatry 67(11): 1026-1032.

Bhave, S. V., L. D. Snell, et al. (1996). "Mechanism of ethanol inhibition of NMDA receptor function in primary cultures of cerebral cortical cells." Alcohol Clin Exp Res 20(5): 934-941.

Bowman, R. E., N. J. MacLusky, et al. (2004). "Sexually dimorphic effects of prenatal stress on cognition, hormonal responses, and central neurotransmitters." Endocrinology 145(8): 3778-3787.

Buitelaar, J. K., A. C. Huizink, et al. (2003). "Prenatal stress and cognitive development and temperament in infants." Neurobiol Aging 24 Suppl 1: S53-60; discussion S67-58.

Chastain, G. (2006). "Alcohol, neurotransmitter systems, and behavior." J Gen Psychol 133(4): 329-335.

Davis, E. P., L. M. Glynn, et al. (2011). "Prenatal maternal stress programs infant stress regulation." J Child Psychol Psychiatry 52(2): 119-129.

Hingson, R. W., T. Heeren, et al. (2011). "Young Adults at Risk for Excess Alcohol Consumption Are Often Not Asked or Counseled About Drinking Alcohol." J Gen Intern Med.

Khashan, A. S., K. M. Abel, et al. (2008). "Higher risk of offspring schizophrenia following antenatal maternal exposure to severe adverse life events." Arch Gen Psychiatry 65(2): 146-152.

Markham, J. A. and J. I. Koenig (2011). "Prenatal stress: role in psychotic and depressive diseases." Psychopharmacology (Berl) 214(1): 89-106.

Markham, J. A., A. R. Taylor, et al. (2010). "Characterization of the cognitive impairments induced by prenatal exposure to stress in the rat." Front Behav Neurosci 4: 173.

Moore, S. C. (2010). "Substitution and complementarity in the face of alcohol-specific policy interventions." Alcohol Alcohol 45(5): 403-408.

Richoux, C., I. Ferrand, et al. (2011). "Alcohol use disorders in the emergency ward: choice of the best mode of assessment and identification of at-risk situations." Int J Emerg Med 4(1): 27.

Schulz, K. M., J. N. Pearson, et al. (2011). "Maternal stress during pregnancy causes sex-specific alterations in offspring memory performance, social interactions, indices of anxiety, and body mass." Physiol Behav 104(2): 340-347.

Seckl, J. R. (2004). "Prenatal glucocorticoids and long-term programming." Eur J Endocrinol 151 Suppl 3: U49-62.

Simon, G. E., M. Von Korff, et al. (2006). "Association between obesity and psychiatric disorders in the US adult population." Arch Gen Psychiatry 63(7): 824-830.

Spanagel, R. (2000). "Recent animal models of alcoholism." Alcohol Res Health 24(2): 124-131.

Tomkins, D. M. and E. M. Sellers (2001). "Addiction and the brain: the role of neurotransmitters in the cause and treatment of drug dependence." CMAJ 164(6): 817-821.

Varcoe, T. J., N. Wight, et al. (2011). "Chronic phase shifts of the photoperiod throughout pregnancy programs glucose intolerance and insulin resistance in the rat." PLoS One 6(4): e18504.

Volkow, N. D., J. S. Fowler, et al. (2007). "Dopamine in drug abuse and addiction: results of imaging studies and treatment implications." Arch Neurol 64(11): 1575-1579.

Wolffgramm, J. and A. Heyne (1995). "From controlled drug intake to loss of control: the irreversible development of drug addiction in the rat." Behav Brain Res 70(1): 77-94.

Zuena, A. R., J. Mairesse, et al. (2008). "Prenatal restraint stress generates two distinct behavioral and neurochemical profiles in male and female rats." PLoS One 3(5): e2170.

 

 



Palavras-chave


Adição, programação comportamental, álcool

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