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Sobre o eu, o sujeito e o sujeito existencial: apontamentos acerca da constituição do sujeito e historicidade
Marina Menegueti Vaccaro, Lúcia Cecília da Silva

Última alteração: 2012-07-29

Resumo


Partindo de estudos realizados na disciplina Fundamentos Históricos e Filosóficos da Psicologia e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, o presente trabalho é resultado de uma pesquisa exploratória realizada a partir de revisão bibliográfica, com o objetivo de compreender a noção de sujeito para o existencialismo moderno, a fim de apontar subsídios que possam contribuir com as discussões sobre a constituição do sujeito no âmbito da Psicologia.

Estudar a noção de sujeito não é uma tarefa fácil. Tomanik (2009) afirma que aqueles que se arriscam a este estudo penetram em um território inóspito, de pouco conforto e envolto por áreas sombrias.  Abib (2009) em seu artigo intitulado “Quem Sou Eu?” também enfatiza a complexidade do tema, demonstrando que há mais de quatro séculos os filósofos e, posteriormente os sociólogos e psicólogos, buscam compreender o humano, quem ele é e como se constitui como tal. Mas por quais motivos estas dificuldades se dão? O que torna este território tão difícil de ser palmilhado? Afinal, assim como Abib (2009), nos parece quase óbvio que uma pessoa possa se perguntar e também responder a pergunta: “quem sou eu?”

Contudo, logo de início nos deparamos com algumas questões que dificultam nosso caminhar e até mesmo nos fazem tropeçar. Tais questões dizem respeito ao significado da palavra sujeito.  Ferreira (1986, p. 1627 como citado em Tomanik, 2009, p. 34) aponta 17 grupos de significados para a palavra, sendo que alguns deles indicam alguém que está submetido a alguma forma de poder e coerção e outros indicam alguém capaz de executar uma ação, de agir de forma independente. Já aí podemos notar a primeira contradição.

Além disso, Tomanik (2009, p. 36) destaca que “o sujeito humano não é um fato, um dado, mas uma concepção humana sobre o ser humano. Para sermos mais precisos, são várias concepções, frequentemente divergentes, sobre o que é o ser humano”.

Sendo uma concepção humana e não um fato, somos levados a pensar que as noções do que é ser humano, de sujeito, alteram histórica e socialmente. É neste momento que encontramos outra dificuldade em nossa caminhada, pois quando pensamos no humano, no sujeito, deve-se levar em consideração que ele não foi sempre o mesmo, mas que foi concebido de maneiras diversas em diferentes sociedades e momentos históricos.  

Cambaúva e Silva (2009) no artigo “A História da Psicologia e a Psicologia na História” mostram-nos que nas sociedades pré-capistalistas, a constituição da subjetividade não se dava de forma plena, isso porque, segundo as autoras,

(...) tanto a concepção cosmocêntrica, própria da sociedade grega que coloca como referência para o homem a natureza – a physis – como a concepção teocêntrica da sociedade medieval que tem como referência a ordem divina não possibilitam ao homem uma apropriação plena de si. O homem desses momentos históricos está intimamente ligado a estas fontes de referência e predeterminado por sua posição social (p. 16)

 

            Ademais, se pararmos para refletir sobre o homem na Idade Média, é preciso considerar que o mesmo não era visto de maneira diferente de outros animais, isto é, tanto os homens quanto os animais e os elementos da natureza eram vistos como criação divina e, portanto, dependentes da vontade de Deus (Tomanik, 2009). É neste sentido que se pode dizer que os indivíduos não se apropriavam de si, já que não possuíam controle de seus direitos, suas ações e sentimentos.

            Foi durante a transição do período medieval para o moderno, período em que o capitalismo começou a instaurar-se, que se deu início um processo de transformação das concepções sobre o ser humano. A partir deste momento, o homem deixou de ser tratado da mesma maneira que os animais e a natureza e passou a ser considerado livre, natural, capaz de se fazer por suas potencialidades individuais. Nasce então o indivíduo autônomo que independe da ordem externa (seja ela da natureza ou divina) para tornar-se alguém. É neste momento que surge a experiência da subjetividade privatizada, tal como aponta Figueiredo e Santi (2000).

            Esta concepção de homem é essencial para a origem da ciência moderna e, principalmente para a ciência psicológica. Segundo Figueiredo e Santi (2000) a experiência da subjetividade privatizada é uma das precondições socioculturais para o aparecimento da Psicologia como ciência no século XIX.

            É importante mencionar que as transformações históricas e sociais das noções de humano, de sujeito, não deixaram de influenciar a própria ciência psicológica. Nesta, tais noções também sofreram diversas modificações. A subjetividade ora era reconhecida, ora era rechaçada. O fato de a Psicologia considerar ou não a subjetividade reflete nas formas como ela define seu objeto de estudo – o indivíduo – que sempre apareceu na Psicologia cartesianamente cindido, segundo Tomanik (2009). Nas palavras do autor:

O indivíduo aparece, na Psicologia, ora como determinado por processos externos; ora por processos internos, mas incontroláveis por ele próprio; ora por combinações entre os processos externos e internos. Em sentido contrário, aparece, algumas vezes, como capaz de elaborar percepções e de viver em um mundo constituído unicamente por suas elaborações ou no qual elas fossem o único elemento importante (Tomanik, 2009, p. 47).

 

Constatamos, desta maneira, que a ciência psicológica tem encontrado sérias dificuldades para refletir adequadamente a complexidade do ser humano. De acordo com Tomanik (2009) a elaboração de conhecimentos que levem em consideração a riqueza e dinamicidade do objeto de estudo da Psicologia deve passar pela superação de reflexões e práticas que reduzem o sujeito a um ou outro dos muitos aspectos que o compõem, que o concebem de maneira isolada e como semelhante ao objeto das ciências naturais.

            Acreditamos que uma das abordagens teóricas que muito pode contribuir neste sentido seja a existencial sartreana. Isto porque Sartre apresenta uma visão de homem histórico-dialética, ou seja, o filósofo “compreende o homem como sendo uma síntese aberta e inacabada entre objetividade e subjetividade” (Zanella et al, 2006, p. 22). Maheirie (2002 como citado em Zanella et al, 2006, p. 23) aponta que é “na relação dialética entre objetividade e subjetividade, [que] o homem se faz um sujeito específico”.

            Mas o que significam tais afirmações? O que quer dizer quando se fala que os sujeitos devem ser compreendidos em função da relação entre objetividade e subjetividade? Maheirie (2007) demonstra-nos que para que possamos compreender um sujeito, ou seja, o aspecto subjetivo, devemos analisar as condições sociais, culturais, históricas e econômicas, isto é, as condições objetivas que participaram de sua constituição como sujeito.

            Neste ponto, não se pode deixar de mencionar a máxima existencialista de que “a essência precede a existência”, tal como foi dito por Sartre (1987) em sua conferência intitulada “O Existencialismo é um Humanismo”. Com tal afirmação o filósofo buscou demonstrar que é no seu existir que o homem torna-se sujeito. Ao contrário das coisas que possuem uma essência definida a priori, o homem primeiro existe e em seguida adquire sua essência, que será dada a partir de suas relações com o mundo, com as pessoas, com o tempo e até mesmo com seu próprio corpo.

Contudo, é importante deixar claro que o sujeito não é somente um produto das condições objetivas, mas também é produtor de condições objetivas, na medida em que pode, subjetivamente, superar condições postas, produzindo outras.  É devido a isso que Zanella (et al, 2006) apontam que

o sujeito precisa ser analisado como produto do coletivo, como singularização da universalidade, mas ao mesmo tempo como produtor singular da coletividade. É importante que o sujeito seja visto, analisado e compreendido como produtor das forças sociais, econômicas, políticas e também afetivas, ideológicas, de distintas racionalidades, objetivas e subjetivas ao mesmo tempo. (p. 24)

 

É de grande importância discutir neste momento outro aspecto da teoria sartreana que o diferencia não só de diversas abordagens teóricas em Psicologia, mas também o diferencia do próprio criador da Fenomenologia, Edmund Husserl, de quem Sartre tomou a noção de consciência intencional.  Por diversas vezes quando nos voltamos para o estudo do sujeito, vemos que “sujeito” e “eu” são vistos como sinônimos, isto é, não há diferença entre as noções de Eu e sujeito.

Sartre (1994) aponta que para a maior parte dos filósofos, e segundo nos parece, para a maior parte dos psicólogos, o Eu é um habitante da consciência. Dentre tais filósofos, encontra-se Husserl, para quem o Eu, intitulado por ele de Eu Transcendental, era considerado como a estrutura última da consciência. Vê-se desta maneira que, para o fundador da Fenomenologia, o Eu habita, ou seja, faz parte da estrutura da consciência e é o responsável pela individualidade e unidade da mesma (Bocca & Freitas, 2011).

            É justamente neste ponto que podemos encontrar a discordância entre Sartre e Husserl (e a maioria das teorias psicológicas), já que para o filósofo francês o Eu/Ego não é mais visto como uma estrutura da consciência, mas sim como algo que tende e está no mundo. Isso porque, sendo a consciência intencional, um movimento “para fora” do sujeito, é incoerente que ela seja provida de conteúdos. De acordo com Bocca e Freitas (2011):

não faz sentido para Sartre introduzir na consciência um Eu, sendo este para Sartre, um objeto transcendente, aparecendo, como qualquer outro objeto, ao nível da reflexão e não como unificador da consciência e do mundo, pois a consciência já se unifica com o objeto no próprio ato de transcender. Assim, ao invés de um Ego transcendental, o que há é a Transcendência do Ego, em virtude disso, o Eu não está dentro da consciência, uma vez que é um objeto visado por ela (p.95).

 

Em outras palavras, pode-se dizer que para Sartre o eu/ego não é transcendental como o é para Husserl, mas é transcendido pela consciência, pois somente ela, por ter a intencionalidade como característica, é que pode ser transcendental.

Assim, concluímos que a noção de sujeito proposta pelo existencialismo de Sartre, não é uma noção reducionista, pois, para ele, o sujeito não é reduzido a um aspecto, não é compreendido a partir da objetividade ou subjetividade, mas sim a partir da objetividade e subjetividade; não é concebido de maneira isolada, visto que sua constituição como tal se dá mediante sua existência no mundo, juntamente com a presença dos outros e mais que isso, mediante os modos que escolhe para manter-se existente no mundo, afirmando-se como sujeito existencial, escrevendo não só a sua história, mas também a de toda a humanidade.

 

REFERÊNCIAS

 

Abib, J.A.D. (2009). “Quem Sou Eu?”. In E.A. Tomanik, A.M.P Caniato & M.G.D.Facci (Orgs.). A Constituição do Sujeito e a Historicidade. (pp.13 – 32). Campinas, SP: Editora Alínea.

 

Bocca, M. C. & Freitas, S. M. P. (2011). O eu está no mundo! A psicoterapia existencialista como uma das vias para a consciência do eu. In Michaella, C. L. (Org.). Tema para pensar e ensinar a Psicologia. (pp. 93 – 118). Curitiba: Editora Universitária Champagnat.

 

Cambaúva, L. G. & Silva, L. C. (2009) A história da Psicologia e a Psicologia na história. In Facci, M. G. D., Tuleski, S. C. & Barroco, S. M. S. Escola de Vigotski – contribuições para a Psicologia e a Educação. (pp. 15-34). Maringá: Eduem.

 

Figueiredo, L.C.M., & Santi, P.L.R. de. (2000). Precondições Socioculturais para o Aparecimento da Psicologia como Ciência no Século XIX. In L.C.M. Figueiredo & P.L.R. Santi. Psicologia: uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. (ed.2, pp. 18 – 52). São Paulo: EDUC.

 

Maheirie, K. (2007). Uma breve análise da constituição do sujeito pela ótica das teorias de Sartre e Vygotski. Aletheia, (25), 139-151.

 

Sartre, J.-P. (1987) O Existencialismo é um Humanismo (3. Ed.). (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Nova Cultural.

 

Sartre, J-P. (1994). A Transcendência do Ego. Lisboa: Edições Colibri. (Original publicado em 1937).

 

Tomanik, E.A. (2009). O Sujeito Humano e o Conhecimento: Constituição Psicossocial e Complexidade. In E.A. Tomanik, A.M.P Caniato & M.G.D.Facci (Orgs.). A Constituição do Sujeito e a Historicidade. (pp.33 – 61). Campinas, SP: Editora Alínea.

 

Zanella, A.V., Soares, D.H.P., Aguiar, F., Maheirie, K., Filho, K.P., Lago, M.C.S, Coutinho, M.C., Toneli, M.J. & Scotti, S. (2006). Diversidade e Diálogo: Reflexões sobre alguns métodos de pesquisa em psicologia. Interações, XII(22), 11-38. 

Palavras-chave


Sujeito, Psicologia, Existencialismo

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