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IDENTIFICAÇÃO E ADOECIMENTO: QUANDO O INCONSCIENTE ATRAPALHA OS ESTUDOS
Bruno Aurélio da Silva Finoto

Última alteração: 2012-07-16

Resumo


Transferência e Identificação: a construção do sujeito social freudiano

Freud, em suas observações clinicas, percebeu que as relações sociais são permeadas por alguns processos inconscientes, dentre eles, os processos de identificação e transferência, que caminham juntos. Por transferência, Freud entendia pelo processo de investir a libido (energia sexual) em um objeto, que tenha características parentais (seja mãe ou pai). Ele pode observar também que algumas características do objeto coincidiam com características do sujeito que investia essa energia. Nesse sentido, o autor identificou e conceituou o processo de identificação, no qual se trata de investir uma parte da libido num objeto que tenha características inconscientes semelhantes ao sujeito que investe. Esse processo é de suma importância nos primeiros anos de vida. A mãe, na relação com seu bebê, precisa investir uma parte da sua libido no novo ser que está na sua frente. O olhar da mãe, voltado para seu filho, vai ajudar no processo de formação do sujeito. Sujeito aqui, utilizado a partir da conceituação de Freud, que diz ser aquele que deseja e sofre por isso. Caso essa mãe não invista nesse filho, poderá ocorrer as patologias do não-ser, tais como o Autismo e as Psicoses. Se há esse investimento, o bebê, com seu pensamento “mágico-criador” poderá investir igualmente nessa mãe, estabelecendo assim o processo de identificação com essa mãe-objeto e de transferência com essa mãe-real. A partir desse processo de identificação, o bebê vai se constituindo enquanto sujeito, que deseja, passando pelas fases de desenvolvimento descritas por Freud. Em cada fase de desenvolvimento (oral, anal, fálica e genital) ocorre o processo de identificação, seja pelas partes das zonas erógenas, seja pelas características dos objetos que aparecem. Por exemplo, o bebê na relação com o seio da mãe, identifica este como uma parte de si, que ele criou. Essa experiência de identificação ajudará nos próximos processos no decorrer do desenvolvimento, seja positiva ou negativa. O ápice, segundo a teoria freudiana, ocorrerá no que ele descreveu de “Complexo de Édipo”, cujo desejo por um dos genitores e a morte do outro terá como resultado a formação das regras do Superego, a Lei paterna introjetada. Durante o período de latência, essa energia originalmente sexual, será transformada para uma curiosidade pelas coisas do mundo, coincidindo com a entrada da criança na escola. E na escola, a criança irá projetar no professor, as características parentais (relação transferencial) e suas próprias (identificação), o que poderá contribuir com os processos de aprendizagem ou não. Falaremos mais sobre isso no próximo tópico.

Relação Pedagógica e Relações Transferenciais: os embates do inconsciente

Utilizando do processo de identificação, acima descrito, podemos falar sobre as relações que permeiam a escola. O aluno chega ao professor com sua história de desenvolvimento sexual e sua formação inconsciente. Com ele, estabelece uma relação transferencial, reeditando as relações anteriores das fases anteriores. Como dito anteriormente, se durante esse processo de desenvolvimento as relações foram permeadas de fraternidade, cuidado e carinho, provavelmente a relação transferencial com o professor será nesse sentido e significado. Contudo, se foi permeada de ódio, agressividade e abandono, esse aluno mostrará inconscientemente em suas atitudes com o professor, sendo rebelde e boicotando o processo de aprendizagem. Sabemos, todavia, que as relações sociais são permeadas de sentimentos opostos, ambíguos, num conflito inconsciente constante. Desse modo, durante a relação com o professor, dependendo de como este age frente ao aluno, aquele pode manifestar sentimentos opostos, muitas vezes que não apareciam no começo da relação, como por exemplo, professores que dizem que o aluno mudou “demais”, que ele “não era assim” e que “não sabe por que ele tá agindo daquela maneira”. O inconsciente é dinâmico e atemporal, já dizia Freud, ou seja, em nossas relações encontramos diferentes sentimentos que se alternam, de modo muitas vezes não explicado e conciso. É nesse dinamismo que nos encontramos conosco e com o outro. Nas relações transferenciais, esse emaranhado de sentimentos alternam-se, fazendo com que o processo de identificação hora fica claro, hora esconde-se. E por ser um processo inconsciente, o professor, no seu manejo na sala, sente a dificuldade de lidar com aquilo que aparece, com as várias facetas do inconsciente, na sua relação com o aluno. Lembramos aqui que a relação transferencial é uma via de mão-dupla, então há tanto o processo de identificação desse aluno com o professor, como o contrário. Projetamos características nossas e de nossos ideais, quando nos relacionamos transferencialmente, podendo ser características positivas ou negativas. Quando a relação transferencial se dá pela via negativa, ou como no caso posterior citado, via do adoecimento, todo o trabalho novo e de construção é barrado pela energia que não circula, impedindo o desenvolvimento acadêmico. Dessa forma, os sujeitos dessa relação passam, em um determinado momento, pedir ajuda para outros, que estão fora dessa relação. Todavia, como diz Freud, quando a doença se instala em um nível grave, os chamados ganhos secundários surgem para impedir que o sujeito saia de sua doença, surgindo o “boicote”, como no caso a seguir.

Fragmento do caso Leona/Aparecida

O caso a seguir é atendido pelo profissional numa escola de educação especial de uma cidade do norte do Paraná. Para sigilo dos envolvidos, os nomes foram trocados. As considerações e interpretações presentes no texto surgiram de conversas com a outra psicóloga da escola, observações em sala de aula da relação entre a professora e a aluna e relatos verbais das mesmas. Leona, a aluna atendida, com aproximadamente 25 anos, apresenta déficit intelectual moderado na parte acadêmica e boa compreensão e articulação da fala. Sabe se expressar de forma coesa, apresentando poucas dificuldades na linguagem e repetitividade nos temas, mudando apenas os personagens. Apresenta-se queixosa na maior parte do período letivo, sorrindo em alguns momentos que consegue atenção. Seu olhar é “triste”, chateia-se facilmente (principalmente quando contrariada ou quando lhe impõe uma regra), apresenta sensibilidade extrema a falas e nervosismo frente a situações. Além disso, tem características histéricas, de dramaticidade nas suas ações, tentativas de seduzir o psicólogo e o professor de educação física, e a já citada, necessidade de atenção. A negação aparece constantemente em suas falas, como “Nunca mais vou falar com fulana” (sic), “Não quero mais vir pra escola” (sic), “Não gosto daquela menina” (sic). Além disso, apresenta a constante fala de que conversa “tudo com a minha mãe e ela fala: ‘minha filha, isso não está certo’” (sic), bem como vive brigando com o pai e com o irmão mais velho. Cuida de uma irmã mais nova, com Sindrome de Down, que também frequenta a escola no mesmo período, demonstrando carinho e afeto maternos com essa irmã, orgulhando-se da mesma. Tais características, em conversas com a outra psicóloga da escola, conseguimos identificar um quadro depressivo instalado, quase uma melancolia, em que nada está “bom” ou “feliz”. Já a professora desta aluna, Aparecida, de aproximadamente 45 anos, trabalha a 25 anos na instituição, com uma vasta experiência em diferentes cargos na escola. Atualmente, é professora de Leona, com quem tem grandes dificuldades de trabalhar. A professora solicita constantemente o profissional, pois diz que a aluna “tem problemas, precisa de ajuda, precisa fazer alguma coisa” (sic). Quando o profissional tenta orientar a professora em como trabalhar na sala de aula com a aluna, aquela apresenta resistência, dizendo logo “que este não é meu serviço e me recuso a fazer” (sic), ou apresentando justificativas para que não ocorra o que foi orientado. Em reuniões pedagógicas, apresenta a necessidade de falar sobre temas não pautados, como os alunos que ela tem dificuldade, olhando para todos quando fala (um modo de buscar atenção). Apresenta-se com um olhar triste e falas de frustrações, tais como “A aula é chata mesmo” (sic), “Não vejo a hora de me aposentar” (sic), “Espero que as escolas de educação especial acabem” (sic), demonstrando que seu limite foi atingido. Apresenta ainda uma fala critica, discordando de todos os modos de agir e pensar, tentando a todo o tempo, colocar sua opinião. Sua fala é histérica depressiva, pois critica a todos, nada está bom e é teatral na hora de falar. Com base nas características de ambas, levantamos a hipótese de uma identificação pela doença, pois tanto a aluna quanto a professora, apresentam características de um quadro depressivo. Esse é apenas um fragmento do caso, que será discutido e articulado com a teoria no próximo tópico.

Como Fazer e Quando Fazer: algumas reflexões sobre a prática na escola

Como descrito acima, ocorre um processo de identificação entre a professora e a aluna, pela doença depressiva e pela própria estrutura de personalidade, no caso, a histeria. Desse modo, o trabalho está a todo o momento sendo boicotado, pois tanto a professora quanto a aluna, já adquiriram seus “ganhos secundários”. Segundo Morgado (2002), essa relação transferencial negativa atrapalha na aquisição dos conteúdos acadêmicos, haja vista que é construída uma relação hostil entre a professora e aluna, demandando do psicólogo avaliar a situação e intervir. Morgado ainda diz que o papel do psicólogo frente a essa demanda é ajudar o professor a entender o que acontece naquela relação estabelecida, quais conflitos inconscientes aparecem e como lidar com a situação. Ou seja, o psicólogo necessita ser o mediador dos conflitos ali presentes. Mas, como mediar um conflito quando a negação é maior que a consciência? Como agir frente uma demanda que mobiliza tanto o psicólogo, quanto os demais profissionais da escola? Freud, em sua técnica analítica já dava indicativos de como proceder. A interpretação, conceito muito utilizado enquanto técnica, é o fazer o sujeito do inconsciente pensar onde ele age. Todavia, dado o contexto escolar, essa técnica necessita ser feito a partir dos sentimentos que ambas, professora e aluna, despertam no psicólogo e este, com o entendimento teórico e prático, conseguir arranjar a brecha para, durante a orientação a ambas, interpretar de forma a trazer para a consciência. Para tanto, o profissional precisa quebrar com as suas próprias resistências e transformar essa relação transferencial negativa em positiva e produtiva. Acolher essa demanda, perceber como o conflito acontece, obter a confiança desses sujeitos, dando o limite necessário, são alguns procedimentos adotados pelo psicólogo. Por fim, vale ressaltar que a analise própria do psicólogo tem ajudado muito na compreensão e manejo dessa situação, a fim de buscar a autonomia e a “cura”.

Palavras-Chave: relações – transferência, ensino e aprendizagem; adoecimento; psicanálise e escola

Referencias Bibliográficas

Freud, Sigmund (1905). Fragmento de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmundo Freud. Rio de Janeiro, Imago.

_____________ (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: __________________

_____________ (1912). A dinâmica da transferência. In: _____________________________

_____________ (1921). Psicologia de grupo e analise do ego. In: ______________________

Morgado, Maria Aparecida (2002). Da sedução na relação pedagógica: professor-aluno no embate com afetos inconscientes. São Paulo, Summus.


Palavras-chave


relações - transferencia, ensino e aprendizagem; adoecimento; psicanálise e escola

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