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DEPRESSÃO, IDEAÇÕES SUICIDAS E PERDAS DE FAMILIARES NA POPULAÇÃO COBERTA POR DUAS UNIDADES DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
Vitor Corrêa Detomini, Renata Bellenzani, Camila Carmona, Claudia Maria Negrão, Ligia Maria Barrada do Nascimento, Natana Braga Cânepa, Taís Borges dos Santos

Última alteração: 2012-07-30

Resumo


Segundo estimativas da OMS (2001), cerca de 450 milhões de pessoas sofrem atualmente com algum tipo de transtorno mental em todo o mundo; 121 milhões afetadas pela depressão. Segundo o Ministério da Saúde (2006), os transtornos mentais severos e persistentes acometem em torno de 3% da população no Brasil; os transtornos leves, em torno de 10%. O transtorno depressivo maior tem sido o mais reconhecido pela Saúde Pública pela alta prevalência no nível primário, com significativo impacto na qualidade de vida de usuários e familiares (Fleck et al.,2002). Nesse cenário, cuidados primários em saúde mental têm sido preconizados no Brasil (Ministério da Saúde, 2003).

Há múltiplas formas de manifestações da depressão e dificuldades em conceituá-la (Romano, 2001). Devem ser levados em conta os fatores genéticos, orgânicos, ambientais, sociais, psicológicos e psicossociais (Jurkiewicz, 2008), que atuariam como desencadeadores ou agravantes das depressões. Algumas experiências tais como as vivências de perdas, por exemplo, têm sido associadas à depressão como os falecimentos de pessoas afetivamente próximas, que ensejam os processos de luto. Segundo Rebelo (2007), o conceito de luto por morte de um ente querido, integra duas vertentes fundamentais: 1) a perda, decorrente do desaparecimento físico mais ou menos súbito do objeto de vinculação; 2) o dispêndio de tempo necessário para a sua assimilação psicológica. Segundo os trabalhos psicanalíticos, o luto se configura como uma reação à perda de um ente querido ou à perda de algo simbólico, uma abstração (Freud, 1917).

O tema da relação entre experiências de perdas e depressão é destacado nos Manuais de Prevenção de Suicídio dirigidos aos profissionais da saúde mental (OMS, 2006) e da saúde da atenção básica (OMS, 2009). Eles colocam que a depressão, as perdas recentes na vida adulta e as perdas de figuras parentais na infância são fatores de risco para as tentativas e mortes por suicídio de pessoas adultas. Há menções também sobre a questão de que pessoas com uma história familiar de óbito por suicídio têm maiores riscos de desenvolverem comportamentos suicidas. Ideação suicida é definida por Borges e Werlang (2006) como pensamento ou ideia suicida, englobando desejos, atitudes ou planos que o indivíduo tenha de se matar.

O presente trabalho descreve o perfil sociodemográfico de participantes de um estudo e os dados sobre a prevalência de depressão e de ideações suicidas na amostra aleatória de usuários do SUS, residentes na área de cobertura de duas unidades básicas de saúde (UBS) de Paranaíba-MS. Para os dois grupos (com e sem depressão) são descritos o quantitativo de pessoas que relatam experiências como: óbitos e tentativas de suicídio por familiares; perda/falecimento de familiares ou de pessoas próximas nos últimos 12 meses. Os dados são de um estudo maior em andamento, que pretende estimar os referidos agravos (depressão e ideações suicidas) em usuários do conjunto das sete UBS(s) no munícipio, utilizando-se de amostra estratificada conforme quantidade de usuários cadastrados em cada uma. Foram utilizados dois instrumentos: 1) questionário sociodemográfico e com questões fechadas sobre variados aspectos; 2) PHQ-9: “questionário sobre a saúde do paciente - 9”, para rastreamento de transtornos mentais, desenvolvido a partir do PRIME-MD (Primary Care Evaluation of Mental Disorders), onde o escore total pode variar de 0 a 27; escores de 5 ou mais indicam depressão (Kroenke, Spitzer & Williams, 2001).

Os procedimentos de coleta de dados foram realizados em sua maioria por entrevistadores em duplas (estudantes a partir do terceiro ano de psicologia), nos domicílios. Eram explicados os objetivos e em caso de aceite, assinado o TCLE. As questões eram lidas pelos pesquisadores e as respostas anotadas. Com relação aos aspectos éticos, durante toda a entrevista a abordagem se caracterizava como um acolhimento; com todo participante identificado com depressão e/ou ideação suicida, era feita uma abordagem de apoio, orientação e incentivo para que buscasse atendimento na unidade básica, no CAPS ou na Clínica-Escola do Curso de Psicologia da Universidade responsável pelo estudo.

Os dados foram analisados utilizando o Programa Excel e o Software SPSS for Windows 16.0 para análises descritivas. Por se tratar de um estudo em andamento, o conjunto de respondentes até o momento não constitui amostra suficiente para análises de correlação.

No que concerne aos resultados, foram analisados os dados de 86 pessoas (somatória das amostras dos dois serviços), 52 (60,5%) mulheres e 34 (39,5%) homens. Quanto à cor/raça: 12,8% da amostra autodeclarou-se da cor preta, 41,9% parda, 44,2% branca e 1,2% amarela. Quanto à escolaridade, 47,7% da amostra declarou ter ensino fundamental incompleto, 8,1% ensino fundamental completo, 8,1 ensino médio incompleto, 19,8% ensino médio completo, 7% universitário/graduação, 1,2% pós-graduação e 8,1% se declaram analfabetos, que não tinham estudado ou somente iniciou e parou, sabe ler pouco ou nada. Quanto à ocupação, 42,4% da amostra se declarou empregado, 12,9% declarou ter trabalho informal, 12,9% desempregados, 14,1% aposentados, 10,6% donas de casa, 2,4% pensionistas, 2,4% estudantes, 1,2% estavam de licença e 1,2% nunca trabalhou. Quanto à renda, 41,2% referiu entre R$501,00 e R$1000,00 e 27,5% entre R$1001,00 e R$1500,00.

Quanto à depressão e ideações suicidas, 51 entrevistados (59,3%) apresentaram escores de ≥ 5 (casos de depressão, segundo o PHQ) - 36 mulheres e 15 homens. Destes, 23 pessoas (45,1%) afirmaram falecimento de parente ou pessoa de convívio próximo nos últimos 12 meses; 19 (37,3%) relataram tentativas de suicídios entre familiares; 9 (17,6%) afirmaram falecimento de algum familiar por suicídio. Das 51 pessoas cujos escores foram ≥ 5, 11 (21,56%) afirmaram “pensar em se ferir de alguma maneira ou que seria melhor estar morto” (item 9 do instrumento), seja “vários dias” (09), “mais da metade dos dias” (01) ou “quase todos os dias” (01). Um participante cuja resposta foi “vários dias” foi único cujo escore total do PHQ9 foi < 5. Dos 11, 07 relataram tentativas de suicídio por familiares e 02, óbitos de familiares por suicídio. Do total da amostra (86), 35 entrevistados (40,7%) apresentaram escores < 5 (não eram casos de depressão, segundo o PHQ) – 15 mulheres e 19 homens. Destes, 14 (40%) afirmaram falecimento de parente ou pessoa de convívio próximo nos últimos 12 meses; 15 (42,8%) relataram tentativas de suicídios entre familiares; 11 (31,4%) afirmaram falecimento de algum familiar por suicídio.

Ao analisarmos os resultados preliminares apresentados, podemos dialogar com alguns aspectos descritos pela literatura da área. Brent, Melhem, Donohoe e Walker (2009), comparando 176 filhos de pessoas, de 7 a 25 anos que morreram por suicídio, acidentes ou mortes naturais com um grupo controle de 168 pessoas, apontam que, em relação ao grupo não enlutado, o grupo total de descendentes enlutados teve maiores taxas de depressão maior (10,2% versus 2,4%), os filhos de pais que morreram por suicídio e filhos daqueles que morreram em acidentes apresentaram taxas mais altas de depressão do que o grupo controle; os filhos de vítimas de suicídio apresentaram maiores taxas de abuso de álcool ou drogas.

Em estudo comparando 60 pessoas que se tornaram viúvos ou viúvas recentemente com pessoas 60 casadas não enlutadas (com perfil sociodemográfico e número de filhos semelhantes), Stroebe, Stroebe e Abakoumkin (2005), correlacionaram ideações suicidas e depressão, apontando que a ideação suicida parece estar intimamente relacionada com graves sintomas depressivos entre os enlutados.

Estudando o transtorno depressivo maior, doenças físicas e ideações suicidas entre 3000 usuários da atenção básica, Goodwin, Kroenke, Hoven e Spitzer (2003) verificaram que a presença de transtornos de ansiedade, problemas com álcool e depressão foram significativamente mais comuns entre pessoas que apresentaram ideações suicidas do que entre as que não apresentaram.

Em pesquisa realizada na China, comparando familiares e amigos de 66 pessoas que se suicidaram, com familiares e amigos de 66 pessoas vivas, sem relação com suicídio (grupo controle), Zhang, Tong e Zhou (2005), utilizando a escala de Radloff, encontraram que as pessoas enlutadas sofreram mais de depressão do que as pessoas do grupo controle; quanto mais estreita era relação com as pessoas que se suicidaram, maior foi o grau de depressão. Os autores destacam que os enlutados por suicídio podem passar a pertencer a um grupo com alto risco de suicídio. É provável que uma morte por suicídio faça surgir no meio familiar a crença no suicídio como uma saída ou solução aceitável para problemas, o que pode facilitar processos psicológicos como a imitação, relacionada à identificação da potencial vítima com a pessoa falecida (Jordan, 2001).

Embora conclusões não sejam possíveis ainda, os dados preliminares apontam para alta prevalência de depressão e para possíveis associações entre depressão e ideação suicida. Quanto à associação entre depressão e ideação suicida com vivências de perda de familiares, entre outras, faz-se necessário a conclusão da coleta dos dados com a amostra total estimada (600 pessoas). Isso possibilitará análises de correlações além das descritivas. Pretende-se com o estudo, contribuir para adensar os dados epidemiológicos sobre depressão no Brasil, no Estado de Mato Grosso do Sul e no nível municipal, além de produzir subsídios para ações de cuidado e prevenção pela rede de saúde.

 

Palavras-chave: atenção primária; depressão; suicídio; luto.

Referências

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Palavras-chave


Depressão; suicídio; perdas familiares

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