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O ENSINO DA PSICOLOGIA CLÍNICA: DESVELANDO OS SENTIDOS DOS SABERES E FAZERES
Thaís Serafim dos Santos, Raphael Barbosa, Sylvia Mara Pires de Freitas

Última alteração: 2012-07-16

Resumo


Como podemos observar historicamente, a Psicologia Clínica esteve por muito tempo atrelada a uma perspectiva acrítica, individualizante e dicotomizadora da realidade humana, cuja compreensão desta desconsiderava fatores mais complexos, como os históricos e sociais, cenários de contradições sob o qual o sofrimento humano é produzido.

     Sob a égide da hegemonia do pensamento cartesiano nas ciências, emerge a disciplina científica da Psicologia clínica corroborando em grande parte, com a negação das contradições que permeiam a existência humana. Firmando-se enquanto ciência tem, por um lado, o Eu imanente como foco de seus interesses ou por outro, o social enquanto o determinador deste Eu. Na compreensão dicotômica desta realidade, empenha seus saberes e fazeres visando a apropriação das causas para controle dos efeitos.

     Com a criação da Psicologia experimental e com o legado das ênfases positivistas predominantes na época, amplia-se as possibilidades de experimentação, matematização e generalização do conhecimento psicológico. Instrumentos como os testes psicológicos auxiliam na normatização da personalidade e com isso na seleção de soldados para a guerra. O atendimento clínico ajudava no cuidado psíquico aos que voltavam das lutas. As bases epistemológico-metodológicas da Psicologia naquela época buscavam atender a produção dos ideais liberais vigentes em nosso contexto nacional.  (Barbosa, Santos & Freire, 2011). 

     Com o decorrer da história, estes fazeres e saberes psicológicos recebem críticas direcionadas à necessidade de uma reforma psiquiátrica pelo tradicionalismo da psiquiatria que, em seu bojo, não estaria inserida a preocupação social. Essas críticas tiveram início a partir dos anos 70 e foram responsáveis por grandes mudanças no perfil de ambas disciplinas, fazendo com que fossem revistas as suas bases e fossem adotados e seguidos novos pontos de vista e perspectivas teóricas.

     A Psicologia clínica então, passou a compreender o homem de uma maneira mais complexa e num contexto mais amplo. De uma ênfase quase exclusiva no atendimento realizado em consultórios privados, transcende à valorização do coletivo e público, como bem pontua Féres Carneiro e Lo Bianco (2003), que agrega formas de intervenção que se direcionaram a novos modos de atendimento e à settings como as instituições públicas e privadas, os hospitais privados, hospitais-dia, alas psiquiátricas, postos de saúde, unidades de cuidados primários, dentre outros.

     No entanto, mesmo diante as significativas transformações da prática psi inserida no campo da Psicologia clínica, notamos que as práticas da psicoterapia e da avaliação psicológica são tomadas por olhares que optam por cristalizar esta disciplina neste restrito campo de atuação. Negando sua transcendência do modelo individualizante, a-histórico e a-social, tais críticas muitas vezes se configuram principalmente dentro de um espaço no qual, segundo Dutra (2008), se espera mais atualização de conhecimento e criticidade, qual seja, a própria academia, que “em muitos momentos, parece não estar acompanhando o processo de desconstrução - não no sentido da destruição -, mas no sentido da reconstrução e reinvenção de saberes e práticas que tem ocorrido no contexto da clínica nos últimos anos”. (Dutra, 2008 p. 02)

     Sendo assim, o nosso objetivo é o de compreender através da fenomenologia como se configura a construção dos saberes e fazeres contemporâneos da Psicologia clínica enquanto disciplina no ensino superior, levando em consideração que é na relação que o aluno cria a sua identidade profissional, podendo este dar continuidade a um discurso de clínica clássica ou garantindo que a transcendência a este modelo médico seja perpetuada em direção à uma Psicologia clínica voltada para as questões sociais.

     A esta problemática adentramos a área de ensino da Psicologia na qual em um passado recente se configurou através de uma supervalorização da área clínica, em detrimento a outras áreas de atuação de igual importância para a formação do psicólogo (Neto & Penna, 2006). Compreendemos que esta supervalorização da área clínica se deu pelo fato de esta ser considerada por muito tempo a identidade profissional do Psicólogo, ao qual cabiam os serviços de psicoterapia e psicodiagnóstico, como já pontuamos. No entanto, nos discursos formativos atuais percebemos a grande valorização pelas outras áreas da Psicologia que aparentemente preocupam-se mais com as questões sociais, negligenciando às importantes contribuições da clínica para a história da Psicologia enquanto ciência e profissão, e pela qual, somos capazes de compreender como chegamos até aqui.

     As novas concepções que embasam a prática clínica possuem relação direta com o enfoque teórico que sustenta a formação dos psicólogos clínicos que, ao escolherem essa área, devem adotar referenciais teóricos que contemplem a noção de subjetividade como resultante de uma construção social e histórica (Dutra, 2004). Desta forma, segundo Abdalla (1998 apud Abdalla, 2006) ao adentrar na Universidade, o aluno de psicologia encontra um profissional que ao assumir o papel de professor transfere para ele os seus conhecimentos teóricos e práticos, estabelecendo uma relação dialógica entre professor e aluno, relação esta de socialização onde existem trocas de significados, que são aprendidos e reconstruídos.

     É justamente nesta relação durante a graduação que o aluno cria a sua identidade profissional que será posta em prática em sua atuação enquanto psicólogo. É importante ressaltar que as identidades criadas para a Psicologia e para os indivíduos que atuam nesta ciência, jamais será acabada, “pois a idéia de uma identidade como sistema fechado cristaliza o identificado em um momento imaginário de constituição e espera que ele corresponda sempre ao modelo idealizado para o papel em questão”. (Abdalla, 2006, p. 138)

     Sendo assim, se a identidade do psicólogo clínico encontra-se permanentemente em construção, podemos afirmar que o discurso clínico dos docentes que ainda se pautam sob uma perspectiva clássica, encontra-se estático, inviabilizando desta forma a transcendência dos paradigmas dominantes e, sobretudo, na relação dialógica com os alunos, uma vez que ao ensinar o professor também aprende com seus alunos, bem como ratificam as críticas feitas à esta disciplina.

     Assim, observamos que, tanto pelo lado dos clínicos clássicos, quanto dos que a eles dirigem suas críticas sem ampliar a percepção de que estes primeiros representam somente uma parcela do saber e fazer clínico, há uma construção que obstina as possibilidades do devir psicológico. A estes primeiros, podemos juntamente com Silva Filho (2006), afirmar que na vida cotidiana, o homem, caracterizado pela sua facticidade de ser no mundo, projeta-se para fora de si mesmo relacionando-se com os outros homens, no entanto não consegue escapar de “sua total ruína, o que implica dizer que o Dasein, ao desviar-se de seu projeto essencial para se ocupar com preocupações rotineiras da vida cotidiana, torna-se alienado, isto é, inautêntico”. (Silva Filho, 2006, p. 04)

     Levando em consideração que o aluno se espelha e cria identidades a serem seguidas através das atitudes, do conhecimento, enfim da relação com seus professores, faz-se mister compreender que na estruturação da proposta curricular dos cursos de Psicologia seja inserido o diálogo entre as disciplinas para que se possa transcendê-las no momento histórico a que foram criadas, compreendendo a amplitude e o diálogo que podem estabelecer entre si.

      Contudo, tal encaminhamento curricular dependerá da maneira como os seus construtores compreendem a Psicologia e suas respectivas áreas, pois a unidade de sentido desta compreensão estabelecerá a cultura institucional. Essa cultura segundo Abdalla (2006) pode possibilitar o entendimento em somente uma linha teórica, o que impede que os alunos vivenciem diferentes modalidades do exercício da prática clínica, inclusive por ser a mais tradicional dentro da Psicologia. Desta forma:

 As escolas de Psicologia devem se preparar para essa nova realidade ao construir seus currículos e elaborar seus projetos pedagógicos, pois a escolha da área de atuação pelos alunos, o desenvolvimento de sua identidade profissional e atitude clínica são influenciados pelos conhecimentos adquiridos no curso e principalmente pela relação com seus professores. (Abdalla, 2006, p. 175)

Encontramo-nos atualmente numa era em que as produções modernas são desconstruídas, mas que ainda não conseguiu criar algo concreto além do niilismo. O confronto entre a modernidade e a pós-modernidade pode ser observado nos próprios projetos pedagógicos dos cursos, onde o tradicional e o refutador dividem espaços com certa dificuldade de diálogo. Assim são pouco focadas as superações deste confronto, como vemos na ampliação dos saberes e fazeres da Psicologia clínica, disciplina foco de nossa apresentação.

A partir disso, acreditamos ser indispensável no ensino da Psicologia o diálogo entre as disciplinas, de tal forma que consigamos romper com um ensino fragmentado onde se caracterizaria de um lado por uma ciência preocupada com o indivíduo, qual seja a Psicologia clínica, e por outro uma ciência preocupada com o social, rumando em direção a uma Psicologia que embora não se totalize, compreenda a complexidade da existência humana considerando o diálogo entre as contradições de maneira dialética. Mais do que criticar esta posição atual, pensamos ser mais importante a construção de novos modelos de produção do conhecimento, que se configurem como propostas de transcendência do modelo hegemônico. Propostas estas que superem o espírito de desconstrução, referenciados pelo Zeitgeist de nossa era, considerando assim as práticas clínicas construídas sob uma perspectiva de um homem singular/universal, individual/coletivo, que transita entre os espaços público e privado. 

Sendo assim, este resumo apresenta o cenário que justifica a intenção de uma pesquisa, sob os fundamentos da Fenomenologia que, por sua vez objetiva compreender quais os valores que permeiam a construção dos planos de ensino das disciplinas relacionadas a Psicologia Clínica, a partir do levantamento de uma amostra dos cursos de Psicologia ofertados por universidades federais, estaduais e particulares do Estado do Paraná, confrontando-os com os sentidos atribuídos a esta disciplina, por uma amostra de discentes e docentes que a ministram, respectivos a essas Instituições de Ensino Superior, por sua vez obtidos através de entrevistas abertas com questões norteadoras.

Consideramos este projeto de pesquisa de fundamental importância por permitir desvelar possíveis teses naturalizantes da Psicologia clínica clássica, que corroboram, atualmente, com o seu sentido restrito no meio acadêmico.

 


Palavras-chave


Ensino superior; Psicologia Clínica; Fenomenologia

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