Portal de Eventos - UEM, XVIII Semana da Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. IV Seminário de Integração do PRO Saúde PET Saúde

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PSICOLOGIA E FORMAÇÃO EM SERVIÇO: ATRIBUIÇÕES E CONTRIBUIÇÕES, VIA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL, PARA A ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
Priscila Regina Oliveira Regassi

Última alteração: 2017-11-06

Resumo


O presente trabalho tem por objetivo compartilhar a experiência de formação em serviço no âmbito da Residência Multiprofissional em Saúde Mental (RMSM), que é um programa de formação em serviço implantado pela Autarquia Municipal de Saúde de Apucarana-PR em parceria com o Ministério da Saúde (MS) desde início do ano de 2016, tratando-se de uma pós-graduação lato sensu composta pelas categorias profissionais da Psicologia, da Enfermagem e do Serviço Social. Tal programa prevê carga horária de sessenta horas semanais distribuídas entre as quarenta e oito horas de atuação nos serviços e ações de saúde mental (SM), caracterizada fortemente pelo trabalho com os usuários e com seus familiares, em conjunto com os trabalhadores dos serviços componentes da rede de atenção psicossocial (RAPS); e as doze horas semanais destinadas às discussões de cunho conceitual, mas também para instrumentalização para a prática, marcadas pelo viés político e ideológico das atuais proposições na esfera da Reforma Psiquiátrica, como estudos teóricos, palestras, seminários, entre outras atividades realizadas com os residentes no Eixo Transversal (envolvendo as três categorias) e nas Tutorias de Núcleo (TN), apenas com as residentes psicólogas. A cada ano ingressa uma turma com dois residentes de cada categoria, distribuídos em duas equipes (três profissionais, um de cada categoria), e os cenários de atuação são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) Infanto-Juvenil e para usuários de Álcool e outras Drogas, ao longo do primeiro ano; e, durante o segundo ano, o CAPS I (serviço regional), e o apoio técnico, político e institucional da Coordenação do Departamento Municipal de Saúde Mental, com revezamento semestral. Um dos diferenciais – e um dos maiores desafios - desta Residência é o fato dela não se vincular a uma instituição de ensino superior: tanto os preceptores (profissionais de referência nos cenários de prática), quanto as tutoras são trabalhadores da própria Autarquia, com exceção, no momento, dos tutores de Serviço Social disponibilizados pelo Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Tais características guardam relação com repercussões não somente sobre a dimensão conceitual, mas também político-ideológica na formação dos residentes, e com impactos nítidos quanto à qualificação da assistência e à luta pela garantia de direitos da população assistida (em especial das populações LGBTTT, em situação de rua e vulneráveis); de modo igualmente evidente, na qualificação dos processos de trabalho e da gestão dos serviços de SM; e, de modo geral, contribuindo para o fortalecimento do SUS na esfera municipal. À luz das proposições do MS, a formação dos residentes nessa instituição, buscando englobar "(...) aspectos de produção de subjetividade, produção de habilidades técnicas e de pensamento e o adequado conhecimento do SUS” (BRASIL, 2004, p. 07), procura se manter muito próxima de um debate crítico acerca dos cuidados em saúde, com ênfase em SM, atenta ao controle social, e alinhada aos princípios de uma gestão participativa e aos interesses dos usuários. Assumimos, assim, como norte para a formação em/para saúde a transformação das ações profissionais e da organização do trabalho para oferecer cuidado em várias dimensões, ou seja, promoção da integralidade, reconhecendo-se a limitação de um trabalho uniprofissional e a busca pela mescla de saberes multiprofissionais (BRASIL, 2004). Com esse fim, a RMSM vem propiciando discussões no escopo de uma Psicologia orientada pela e para atenção psicossocial. O presente trabalho, produzido no contexto de formação teórico-prática, mas também político-ideológica de psicólogas, propiciada pela RMSM, manifesta e se vincula, portanto, ao compromisso da promoção de mudanças na formação profissional "(...) de modo a aproximá-la dos conceitos e princípios que possibilitarão atenção integral e humanizada à população brasileira” (BRASIL, 2004, p. 05). Julgando imperecíveis os apontamentos do MS sobre a formação para o SUS, objetivamos, portanto, uma formação: (1) que possa contribuir para a autonomia dos usuários e para sua capacidade de intervenção sobre sua própria vida, com a centralidade em seus interesses no cotidiano de relações da atenção e da gestão setorial e a estruturação do cuidado à saúde (BRASIL, 2004); (2) que parta do princípio de que não podemos tomar como referência, para tal formação, “(...) apenas a busca eficiente de evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e profilaxia das doenças e agravos, mas a busca do desenvolvimento de condições de atendimento às necessidades de saúde das pessoas e das populações” (p. 06) (…) redimensionando o desenvolvimento da autonomia das pessoas até a condição de influência na formulação de políticas do cuidado” (p. 07); e (3) que intente “(...) a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho” (p. 07), estruturando-se “(...) a partir da problematização do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado às várias dimensões e necessidades em saúde das pessoas, dos coletivos e das populações” (p. 07), em uma educação dos profissionais de saúde sintetizada pela noção de integralidade “(...) pensada tanto no campo da atenção, quanto no campo da gestão de serviços e sistemas” (BRASIL, 2004, p. 07). Diante dos contextos e dos cenários de atuação das residentes de Psicologia, julgamos pertinente considerar que, embora as relevantes e inalienáveis atribuições[1] dessa categoria profissional tenham sido historicamente constituídas diante de intensos e inúmeros debates e embates, ainda devemos investir nas discussões sobre quais as contribuições para avançar a própria Psicologia e sua produção de conhecimentos teórico-práticos, mas também os saberes das outras categorias, tanto quanto neles se inspirar e deles absorver contribuições, posto serem complementares. Há que termos clareza, ainda, sobre as proposições que mantêm seu vigor e sua legitimidade, em especial sobre quais pautas acerca da defesa de práticas de cuidado em liberdade, de redução de danos, de promoção de autonomia e do protagonismo dos sujeitos, entre outros elementos caros à Reforma Psiquiátrica e à Luta Antimanicomial devem ser defendidas, assumindo-se o firme propósito de rompermos com modelos conservadores de formação na área psi, excessivamente centrados na psicopatologia e em modos cristalizados e estanques de se produzir tratamentos e prognósticos. Sob esse prisma foram pensadas e desenvolvidas as temáticas, nas Tutorias de Núcleo1, de modo a abranger a complexidade dos elementos envolvidos nos processos de trabalho e de produção do cuidado na perspectiva da clínica ampliada, oportunizando momentos compartilhados para se pensar os "(...) problemas de saúde de forma transdisciplinar, intersetorial, atentos às questões socioeconômicas, culturais, ecológicas e religiosas" (BRASIL, 2006, p. 14). Ao longo das tutorias de núcleo realizamos discussões e nos engajamos em reflexões que contribuíram para uma constante avaliação dos limites e das possibilidades decorrentes de nossas formações anterior e atual, em serviço; assim como das práticas de cuidado possíveis, ao considerarmos os desafios cotidianamente postos ao movimento da Luta Antimanicomial e às Reformas Psiquiátrica e Sanitária em curso (em que ideais, princípios e propostas ainda precisam ser insistente e convincentemente apresentados, defendidos e garantidos, mediante engajamentos pessoais e coletivos na esfera do SUS), através de progressiva lucidez na leitura dos macro e microcenários, permeados pelas características próprias de nosso tempo, na formação humana e nos rumos dados à humanidade de acordo com a atual conjuntura político-econômica e ideológica; ainda, com relação ao vir a ser da atenção psicossocial aclarada pelos Direitos Humanos. Tais encontros enfocaram: a importância de deslocar o foco da doença/transtorno/sofrimento e/ou do uso das substâncias para os sujeitos, em favor da integralidade do cuidado, colocando em evidência aspectos de vida e a necessária produção de formas de compreensão tanto da constituição do psiquismo, quanto do adoecimento e do sofrimento humanos, sempre postos ao encontro das melhores convicções e práticas ligadas aos serviços da RAPS. Também vimos, na tônica aqui defendida: os elementos da reabilitação biopsicossocial, os norteadores de um trabalho multiprofissional e a importância de não se tornarem invisíveis as singularidades de cada profissão, bem como de cada uma ser, ao seu modo, terapêutica de acordo com as necessidades peculiares e particulares de cada usuário; a importância de ampliar o campo de visão para uma  atuação alargada, em contraposição a saberes e a fazeres limitados, e muitas vezes engessados, desde a formação acadêmica; também: o aprimoramento da atuação através da constante avaliação da rotina presente no cenário de prática, observando aspectos como sobre a lógica do cuidado, a consideração pela trajetória de vida e de busca por cuidado por parte dos usuários, e sobre a organização dos processos de trabalho; finalmente, tratamos da necessária missão - tarefa histórica - da Psicologia de compreender, problematizar e levar a cabo processos mais emancipatórios para os atores envolvidos (residentes, preceptores, tutores, mas, de modo especial, usuários, familiares e grupos sociais negligenciados).


As atribuições do psicólogo no Brasil foram enviadas pelo Conselho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho em 17/10/1992, para composição do Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO). Dentre elas destacamos: o estudo e à análise dos processos intra e interpessoais e nos mecanismos do comportamento humano; a análise da influência dos fatores hereditários, ambientais e psicossociais e de outras espécies que atuam sobre o indivíduo; e a promoção de saúde na prevenção, no tratamento e na reabilitação de distúrbios psíquicos (estudando características individuais e aplicando técnicas adequadas para restabelecer os padrões normais de comportamento e relacionamento humano). Disponível em http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo_cbo.pdf.  Acesso em 24/10/2017