Portal de Eventos - UEM, XVIII Semana da Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. IV Seminário de Integração do PRO Saúde PET Saúde

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PSICOLOGIA E SAÚDE DO TRABALHADOR: IMPASSES E DESAFIOS NO SERVIÇO PÚBLICO
Ingridy Loof Silva

Última alteração: 2017-11-13

Resumo


Ingridy Loof Silva, (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Maria Aparecida de Moraes Burali, (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Felipe Boldo Martins (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil).

 

contato: ingridyloof@gmail.com

 

A Saúde do Trabalhador configura-se como um campo de saber e de práticasque demandam da Psicologia uma atuação sobre o trabalho e sobre asestruturas e processos que o organizam, propondo uma nova forma de compreensão das relações entre trabalho e saúde. Busca-se, sobretudo, compreender a ocorrência dos problemas de saúde à luz das condições e dos contextos de trabalho, tendo em vista que medidas de promoção, prevenção e vigilância deverão ser orientadas para mudar o trabalho (CREPOP,2008). De modo que a psicologia na interface com a saúde do trabalhador volta-se para um campo de práticas e ações voltadas para compreender a multiplicidade do trabalho enquanto categoria constituinte do psiquismo e da identidade do trabalhador, sendo que o trabalho não é neutro em relação à saúde dos indivíduos, mas impacta e molda a maneira de viver, andar, adoecer e até morrer da classe trabalhadora.

Partindo da premissade que,condições de trabalho digno e decente constituem-se em um direito fundamental a todo ser humano, garantido no que concerne os Direitos Sociais, no Art. 6º no capítulo dois, da Constituição Federal de 1988 e que a saúde é um direito da pessoa humana, a Saúde do trabalhador, seja como política ou um conjunto de ações, deveria ser assegurada como um direito de todo cidadão nos diferentes contextos de trabalho. Contudo, o que se constata é um grande descompasso entre as diretrizes da Politica Nacional da Saúde do(a) trabalhador(a), (BRASIL, 2012) e a implementaçãoefetiva desta política nas várias esferas de governo.

Considerando o contexto socioeconômico e político do estado brasileiro, tem-se dobrado aos anseios do capital e deixado os trabalhadores a mercê da exploração pelo trabalho e desprotegidos em seus direitos fundamentais, de igual modo, os servidores públicos e, na especificidade, deste projeto, servidores de uma Universidade Pública, têm sidodesamparados pelo Estado e como servidores, não são vistos como trabalhadores com direitos iguais a qualquer outro trabalhador. O descaso do Estado pela saúde dos seus servidores é um fato inegável, sendo esquecidos das ações de promoção à saúde do trabalhador, mostrando-se necessária uma ampliação das ações no setor público (SOUZA; REIS, 2013; ANDRADE, 2009).

Nesse sentido, como seria possível pensar formas de atuação em Saúde do Trabalhador em instituições públicas? É nesta direção que este trabalho foi elaborado, a partir das intervenções e reflexões produzidas no projeto Atenção à saúde do trabalhador desenvolvido por docente e discentes do curso de Psicologia, da Universidade Estadual de Maringá, com objetivo de pensar possibilidades de ações no contexto acadêmico que possam ser disparadoras de reflexões, novas ações na luta por dar visibilidade a condição de saúde dos servidores e o quanto essa condição está relacionada com as condições de trabalho. A equipe do projeto, então, têm se empenhado, em promover um espaço para pensar o compromisso da psicologia para com a saúde dos trabalhadores, quanto, oferecer um espaço de acolhimento aos servidores da instituição que ao passar pelo exame periódico apresentam queixas de saúde relacionadas ao trabalho. Essa atuação é realizada por meio de análises das condições de trabalho, com intervenções individuais ou em grupo, com o foco na multidisciplinaridade, buscando alternativas em direção às transformações necessárias na luta por melhores condições de saúde e trabalho nos seus setores.

As atividades foram iniciadas por uma apurada análise dos exames periódicos e atestados médicos que forneceram dados que orientaram o planejamento das atividades do projeto. Esses dados permitiram identificar que em 2014 e 2015o maior número de queixas e afastamentos pelo trabalho foram causadas pordoenças osteomusculares, e por transtornos psíquicos. De posse de tais informações foi realizado uma nova busca classificando por setores e, identificado os setores que tinham a maior prevalência de afastamentos do trabalho.

Dentre estes setores,destacaram-sequeixas osteomusculares no setor de zeladoria do campus e educadoras da creche da universidade e, dentre estas últimas, constatou-se que 60% destas profissionais faziam uso de antidepressivo, sendo que 20% estavam num quadro de depressão mais grave e, ainda entre os docentes foi identificado número significativo de transtornos de ansiedade, de síndrome do pânico e de depressão. Para início das intervenções, que se deu em 2016, foi priorizada a creche da universidade e pela gravidade da situação, realizou-se procedimentos como: escuta individual, análise detalhada das condições e da organização do trabalho. Tais ações deram respaldo para as intervenções em grupo, em parceria com fisioterapeutas da comunidade externa, que participaram como voluntárias para esta intervenção.

Em 2017, retomadas as atividades,foramaplicados inventários de saúde, realizadas reuniões para esclarecimento da demanda, visitas técnicas, em diversos setores ( Biblioteca central, Rádio UEM, Restaurante Universitário e zeladoria), para elaboração de diagnósticos das condições de saúde no trabalho e, dentre, estes setores,considerando a disponibilidade dos servidores, docente e discentes, foi priorizada a intervenção junto ao setor da zeladoria.

Nesse setor, as zeladoras apresentaram prevalência de queixas osteomusculares, o quegerou a necessidade de um trabalho compartilhado, com o foco na interdisciplinaridade, entre a psicologia e da fisioterapia. Essa necessidade levou o projeto a firmar uma parceria com o curso de fisioterapia do Centro Universitário Ingá-Uningá, Maringá-PR.A metodologia adotada para esse grupoconsiste basicamente no acolhimento destas servidoras, mediante rodas de conversa (CAMPOS, 2000) e dinâmicas de grupo que integram ações da psicologia e da fisioterapia, com a finalidade de criar um espaço de encontrode ressonância coletiva. Em paralelo, realizam ginástica laboral orientada, técnicas de relaxamento, orientação postural e uso dos instrumentos de trabalho. Esse espaço foi denominado, Saúde e Movimento e os encontros são semanais e somarão um total de 12 encontros até dezembro de 2017.

Quanto às demais atividades desenvolvidas pelo projeto, considerando a formação acadêmica,realizam-se grupos semanais de estudo, planejamento e discussão de todas as atividades do projeto, permitindo refletir sobre os impasses que o grupo tem se deparado no desenvolvimento de suas atividades e os desafios para se incluir na agenda da instituição as questões de saúde dos servidores.

Entre os impasses e ao mesmo tempo desafios estão o descaso e desamparo do Estado, no que diz respeito à saúde dos servidores, quanto também, institucionalmente, a ausência de uma política voltada para a saúde dos servidores, que ofereça as diretrizes para as ações em saúde do trabalhador, de modo a fazer funcionar os dispositivos existentes dentro da própria instituição (SESMT, ambulatório) em articulação com os projetos desenvolvidos em vários departamentos que contemplam ações de promoção e prevenção à saúde dos servidores. Outro impasse é a fragmentação institucional e profissional entre os trabalhadores-técnicos dos serviços, que centrados no “especialismo”, com o foco na doença e, não no sujeito-trabalhador, perdem a dimensão do trabalho interdisciplinar na perspectiva da saúde do trabalhador (ROSA, 2014) e, somado a precarização do seu próprio trabalho, não conseguem abarcar essa problemática de forma integrada e resolutiva.Esse cenário mostra a necessidade de um amplo debate entre os setores envolvidos e um projeto de capacitação das equipes na perspectiva de atuar de forma integrada e mais resolutiva em ações em prol da saúde e dignidade pelo trabalho. Sonho ou devaneio? Difícil de dizer, contudo, as intervenções realizadas pelo projeto propiciou este espaço de reflexão, que mais que utopia, tem buscado parcerias para discutir a viabilidade de criação de um programa em saúde dos servidores para que venha agregar ou colocar em diálogo os vários projetos dentro da instituição que contemplem os aspectos abordados em articulação com os setores responsáveis por ações em saúde do trabalhador.

Outro aspecto desafiador, que tem se constituído uma reflexão permanente para a equipe do projeto, diz respeito, ao papel da psicologia no campo da saúde do trabalhador, seja na execução da Política Nacional nos serviços públicos no contexto do SUS ou na implementação das ações em saúde do trabalhador nos diferentes contextos de trabalho. Qual o posicionamento político dos profissionais da psicologia frente aos desmandos e exploração do capital? O posicionamento do projeto é ao lado dos trabalhadores, respaldado pelos pressupostos teóricos e metodológicos da Psicologia Social do trabalho (BERNARDES et. al., 2015), da Psicologia Sócio-histórica (BOCK,2009), em defesa da vida, da saúde e da dignidade pelo trabalho.

Conclui-se, portanto, que os objetivos delineados para o projeto têm sido alcançados e os impasses tem se tornado desafios para pensar uma ações integradas em saúde do trabalhador no serviço público.

 

Palavras-chave: Psicologia.Serviço Público.Saúde do Trabalhador.

Referências

ANDRADE, E. T. O processo de implementação da política de atenção à saúde do trabalhador em instituições públicas federais: o desafio da integralidade. 2009. 97 f. Dissertação (Mestrado em Ciência na área de Saúde Pública) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2009.

 

BERNARDES, M. H. , et al. A práxis da Psicologia Social do Trabalho: reflexões sobre possibilidades de intervenção. In: COUTINHO, M. C; FURTADO, O; RAITZ, T. G. (Org.). Psicologia social e trabalho: perspectivas críticas. Florianópolis: ABRAPSO, 2015. p. 16-39.

 

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/anexo/CF.pdf>

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 2.012 de 14 de setembro de 2012. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt2012_14_09_2012.html>

 

BOCK, A. A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In: BOCK, A.; GONÇALVES, M. G. M.; FURTADO, O. (Org.). Psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2003. p. 15-35.

 

CAMPOS, G. W. S. .Um método para co-gestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção do valor e a democracia nas instituições. São Paulo: Hucitec, 2000.

 

Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP). Saúde do Trabalhador no âmbito da Saúde Pública: referências para a atuação do(a) psicólogo(a). Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, 2008.

 

ROSA, K. M. Saúde do Trabalhador: estratégias do trabalho interdisciplinar com foco na gestão, saúde e trabalho. 2014. 112 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2014.

 

SOUZA, Z. B.; REIS, L. M. Entre o atender e o ser atendido: políticas em saúde para o trabalhador do serviço público.Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, Salvador, v. 16, n. 1, p. 87-106, 2013.