Portal de Eventos - UEM, XVIII Semana da Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. IV Seminário de Integração do PRO Saúde PET Saúde

Tamanho da fonte: 
PSICOLOGIA ESCOLAR E AS DEMANDAS EMERGENTES
Maria da Apresentação Barreto

Última alteração: 2017-11-13

Resumo


A inserção dos psicólogos nos contextos escolares e educacionais ainda é permeada por desafios. Embora não seja uma discussão recente, trazê-la para os espaços que discutem a formação dos psicólogos contribui no desvelamento das raízes de alguns desses desafios e na construção de estratégias coletivas de ampliação dos espaços de atuação. Nesse estudo, à luz do referencial da psicologia histórico-cultural, situa-se a escola como espaço de apropriação do saber construído pela humanidade e lócus privilegiado de aprendizagem e desenvolvimento humano. (Leontiev, 2004). A pesquisa objetivou investigar as principais demandas endereçadas aos psicólogos escolares nesta segunda década do século XXI para comparar com as demandas do século passado a fim de que no contexto de formação na Universidade pudessem ser ampliados o conhecimento das práticas críticas já desenvolvidas nesse campo. Historicamente a educação carrega as marcas do contexto, da sociedade e dos grupos que possibilitaram sua emergência. Da educação “da vida e para a vida”, conforme menciona Ponce (1995), para uma educação que refletia os interesses das classes hegemônicas, sofreu influências das transformações ocorridas no modo de produção dos bens da sociedade, com reflexos diretos nas relações e ações que conduziam os processos de educar. Observa-se, então, que a mudança no modelo produtivo acarretou mudanças na estrutura e funcionamento da vida em sociedade. Iniciava-se uma história que separava os saberes de acordo com o grupo em que a pessoa estaria inserida. Ou seja, a forma de se pensar a educação hoje, como bem afirma Patto (1987), é fruto de uma visão de mundo, decorrente da institucionalização do modo de produção capitalista, razão que vai explicar também as dificuldades de aprendizagem construídas no entrelaçamento da pedagogia com a psicologia. Neste sentido, importa desenvolver estudos que explorem o contexto atual e considerem a trajetória histórica construída no entrelaçamento da psicologia com a educação. Trata-se de uma pesquisa exploratória desenvolvida por professora e alunos de um curso de Psicologia de uma Universidade Federal do nordeste brasileiro quando cursavam o componente curricular de psicologia, escola e sociedade. Um estudo organizado em três etapas: 1) Delimitação dos critérios de escolha de quem seriam os entrevistados; 2) Organização de um roteiro de questões semiestruturadas usando como referência principal o projeto de lei 3688/2000 (BRASIL, 2000) que prevê a presença de psicólogos e assistentes sociais nas escolas; 3) Articulação das respostas com o referencial teórico da psicologia histórico-cultural que problematiza a produção do fracasso escolar. Participaram 21 professores de escolas públicas que lecionavam séries diferenciadas no ensino básico na capital Potiguar. A todos foi assegurado o anonimato, sigilo das informações e que as informações seriam utilizadas para fins acadêmicos. Os dados foram discutidos a partir do referencial da psicologia histórico-cultural que adota o método materialista histórico e dialético para a compreensão da realidade. Discutiu-se sobre como historicamente foi produzido o discurso e a explicações para o fracasso escolar, bem como a culpabilização do indivíduo pela não aprendizagem contribuindo assim para a emergência de demandas bastante emblemáticas que justificam a necessidade do psicólogo nos contextos escolares. Transcritas as entrevistas fez-se uma leitura geral das respostas, identificou-se pontos de convergência e de divergência nas falas registradas, bem como uma compreensão geral do material coletado. Para fins de tratamento dos dados fez-se um agrupamento pelos núcleos de sentido, sem a intenção de isolar elementos constitutivos da demanda, mas no intuito de agrupá-los por semelhanças. O agrupamento fez emergir as categorias: diagnóstico, inclusão, necessidade de escuta, família e comportamento.  Tais demandas não são novas e confirmam o que já fora discutido por Firbida e Facci (2015) quando assinalam como desafio a superação do modelo clínico para tratamento dos assuntos educacionais que, conforme dados deste estudo, ainda vem sendo endereçado de maneira recorrente ao psicólogo. Numa legitimação explícita ao modelo clínico de atuação, a categoria diagnóstico englobou como maior expectativa as práticas ligadas à elaboração e confirmação de diagnósticos para lidar com os transtornos e as diferenças. Ações desta natureza são avaliadas pelos professores como uma forma de ajudar a lidar com “os problemas” que eles não sabem como conduzir. Ora, lidar com as diferenças, com ou sem diagnóstico faz parte da luta pela democratização da educação e promoção dos direitos humanos. Se a partir da psicologia histórico-cultural defende-se que a aprendizagem conduz ao desenvolvimento, não se pode deixar de ensaiar intervenções que oportunizem a efetivação dessa aprendizagem, independente ou apesar de um diagnóstico que aponta limitações. Uma vez que a sociedade é desigual, as oportunidades são desiguais, os ritmos de apropriação do saber não fugiria dessa premissa. Outra categoria trouxe como desafio o campo da inclusão. Como pensar a inclusão numa sociedade que se constitui na desigualdade sempre crescente? À luz do referencial adotado justifica-se a construção de intervenções que ajudem na remoção de barreiras entre os alunos e o conhecimento, favorecendo, portanto o processo de humanização que, de acordo com Vigotski (2010) só pode acontecer quando os sujeitos se apropriam do conhecimento historicamente construído pela humanidade. A categoria relativa à necessidade de escuta remete a visão do psicólogo comprometido uma prática clínica. A busca de ajuda para lidar com as dificuldades emocionais e com a escuta individual dos alunos reforça o desejo de intervenções dessa natureza. No entanto, outras escutas são necessárias no contexto da escola, porém, garantir essa aproximação mais concreta irá requerer mobilização permanente como forma de pressionar a efetivação de políticas públicas nacionais ou locais que assegurem o trabalho da psicologia como necessário a educação. O projeto de lei 3688/2000 já tramitou por diversas instâncias, mas falta vontade política para que ele se efetive. Importa continuar lutando pela garantia da escuta comprometida com práticas críticas. Na categoria família emergiu a expectativa de que o psicólogo poderia desenvolver um trabalho que fizesse a família ocupar o seu papel na educação. Esta foi apontada como incapaz de se responsabilizar pela aprendizagem ou pelos comportamentos apresentados pelos filhos. Na década de 1980 essa realidade já foi criticada, pois na hora em que a psicologia escolar esboçou um movimento para ultrapassar as explicações do fracasso escolar pautada em critérios biológicos, a família foi tomada como referência na construção de outras explicações. É certo que não se pode descartar a importância do envolvimento dos familiares na escolarização de crianças e adolescentes, mas acreditar em soluções parciais não transforma problemas em solução. Na categoria comportamento o eixo principal aponta o anseio para que na escola houvesse um profissional que pudesse homogeneizar aquele espaço. Os professores denunciam uma inaptidão em reconhecer e enfrentar as contradições existentes, bem como, apontam dificuldades em acolher as diferenças neste lugar. Num contexto povoado pelo fracasso e demarcação das diferenças, todos os comportamentos são avaliados numa tentativa de controle. Emerge também a expectativa que algum profissional venha dar conta dos desafios que essas diferenças suscitam. Tal realidade já fora discutida por (Andaló, 1984) quando elucidava como o contexto social e político, historicamente, forjou a imagem do “psicólogo escolar clínico”. Essa autora refere que os desafios que os professores enfrentavam com os alunos que não aprendiam foi sendo endereçado a outro profissional. O psicólogo, na visão daqueles professores era considerado melhor habilitado para lidar com as questões comportamentais, revestido inclusive de um caráter onipotente e mágico. A pesquisa revelou que nas demandas esboçadas há um eixo comum: a necessidade de um profissional para equalizar as diferenças existentes dentro da escola. Ademais, o que está sendo demandado nessa segunda metade do século XXI é idêntico ao que já fora criticado por Patto (1987) quando falava das demandas do século passado. Desvelam um sentido que parece ter sido compartilhado por todos os entrevistados: a visão de que o sucesso ou o fracasso no processo de aprendizagem é avaliado como dependendo apenas do esforço individual O perfil do profissional de psicologia ansiado pelos professores nas escolas públicas é o do psicólogo higienista. Assim sendo, um longo caminho precisa ser percorrido na superação do modelo clínico que imperou e ainda se faz presente na educação e desenvolveu historicamente intervenções adaptacionista. A via de mudança passa, necessariamente, pela formação nos Cursos de Psicologia. Importa registar que o campo da formação já esboça outros movimentos no sentido de contribuir para que a escolarização esteja a serviço do desenvolvimento psicológico dos alunos e ampliação do conhecimento da realidade. Trabalhos sistematizados por Meira e Antunes (2003), Tanamachi (2006) e Facci e Meira (2016), dentre outros confirmam esse tendência. Finalmente, importa registrar que o estudo possui limitações: baixa representatividade, pois com uma amostra de apenas 21 professores. Urge que estudos contemplando uma amostra maior possam ser levados adiante e ampliem a discussão acerca de como está acontecendo a formação neste campo. Outra limitação se deu pelo curto tempo entre a elaboração da pesquisa e sua execução não havendo tempo para uma discussão mais ampla dos resultados no contexto em que os alunos da psicologia se formavam. A participação ativa na formulação e discussão de políticas públicas é outro desafio que se impõe. Impossível desenvolver uma formação que aponte para uma atuação comprometida socialmente sem a inserção do psicólogo nas políticas públicas educacionais.

PALAVRAS-CHAVE: Psicologia escolar. Demandas ao psicólogo. Formação em Psicologia.

REFERÊNCIAS:

ANDALÓ, Carmem S.A. O papel do psicólogo escolar. In Revista Psicologia: ciência e profissão, vol.4, pp. 43-46, 1984.

BRASIL. Projeto de Lei nº 3688, de 31 de outubro de 2000. Dispõe sobre a introdução de assistente social no quadro de profissionais de educação em cada escola, 2000.

 

FACCI, Marilda Gonçalves Dias; MEIRA, Marisa Eugênio Melillo (Orgs.). Estágios em psicologia escolar: proposições teórico-práticas. Maringá: EDUEM, 2016.

 

FIRBIDA, Fabíola Batista Gomes ;  FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Formação do psicólogo no Estado do Paraná, para atuar na escola. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 19, Número 1, Janeiro/Abril de 2015:173-184.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. 2 ed.  São Paulo: Centauro, 2004.

MEIRA, Marisa Eugênio Melillo; ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino (Orgs.). Psicologia escolar: práticas críticas. Casa do psicólogo, 2003.

 

PATTO, Maria Helena de Souza. A produção do fracasso escolar: historias de submissão e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiroz. 1987.

 

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 14. ed.  São Paulo: Cortez, 1995.

 

TANAMACHI, Elenita de Ricio. A mediação da psicologia histórico-cultural na atividade de professores e do psicólogo. In. MENDONÇA, Sueli Guadalupe de Lima ; MILLER, Stela. Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara, SP. Junqueira & Marin, 2006.

VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.