Portal de Eventos - UEM, XVIII Semana da Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. IV Seminário de Integração do PRO Saúde PET Saúde

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HUMOR E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA COMÉDIA “VAI QUE COLA”
thayna caroline nardelli

Última alteração: 2017-11-14

Resumo


XVIII Semana de Psicologia da UEM:

A Psicologia frente os desafios do mundo contemporâneo

IV Seminário de Integração do PRO Saúde e PET Saúde: drogas e atenção primária em saúde

20 a 23 de Novembro de 2017

 

 

HUMOR E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA COMÉDIA “VAI QUE COLA”

Thayna Caroline Nardelli (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Camila Rodrigues de Albuquerque(Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil); Alvaro Marcel Palomo Alves (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil).

 

contato: mila.grd@hotmail.com                                                                                thaycn@gmail.com

 

O presente trabalho tem como objetivo compreender a relação entre as simbolizações midiáticas e a perpetuação da violência de gênero na sociedade atual. No Brasil, a violência de gênero é naturalizada de forma alarmante, sendo que o país está entre os líderes em estimativas de feminicídio. De acordo com a ONU, as taxas de feminicídios são de 4,8 para 100 mil mulheres. Representamos a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo Saffioti (2004) no livro Gênero, Patriarcado, Violência, encontra-se forte naturalização e até mesmo certo incentivo da violência pela sociedade, para que os homens exerçam seus lugares de dominadores e se utilizem de sua força de opressão. É “normal e natural”, descreve a autora, “que os homens maltratem suas mulheres, assim como que pais e mães maltratem seus filhos, ratificando, deste modo, a pedagogia da violência” (p. 74).

O recurso midiático escolhido como sendo nosso objeto de estudo é o filme de comédia nacional Vai que Cola (2015), produzido pelo comediante Paulo Gustavo e com a direção de César Rodrigues. A escolha de um filme nacional do gênero comédia se fez pertinente por se tratar de um meio onde “tudo se pode dizer” porque “o que importa é a piada” e desta forma torna-se mais fácil a banalização e naturalização de violências, especialmente contra as mulheres (basta nos lembrarmos de todas as piadas sobre a mulher gorda, mulher loira, mulher do vizinho, a sogra etc).

De acordo com Guareschi (2009), ao falarmos de mídia abrangemos, com a palavra, um processo amplo que inclui diferentes plataformas da tecnologia como as telecomunicações e a indústria cinematográfica, constituindo um mundo simbólico. Em suas pesquisas, o autor aponta que grande parte dos construtos sociais e pessoais que as pessoas têm são pautados pelo o que elas vêem na televisão. Segundo o Censo de 2010, 95,1% dos lares brasileiros têm pelo menos um aparelho de televisão, enquanto que 93,7% dos lares possuem geladeira. Este dado confirma a tese de que a televisão, no Brasil, é tida como o principal recurso informativo e instrutivo disponível á população.

Objetivando compreender quais os significados presentes no filme que contribuem para a naturalização da violência de gênero, utilizamos o método dialético e sua vertente sócio-histórica denominada “construção da informação” (Aguiar e Ozella, 2006). Os procedimentos da análise em questão compreendem três etapas: pré-indicadores, indicadores e núcleos de significação.

Foram escolhidas cinco cenas do filme para a realização da transcrição com o critério de filtrar aquelas cenas que apresentam mais conteúdos importantes para a compreensão do objetivo: encontrar indicadores de violência de gênero. As cenas foram transcritas de forma fiel ao se conteúdo, abarcando todas as informações, como a música de fundo, a descrição do ambiente, personagens e seus diálogos. Partindo das transcrições, têm-se os pré-indicadores, que são todas as palavras transcritas. Aguiar e Ozella (2006) consideram que “a palavra com significado seja a primeira unidade que se destaca no momento ainda empírico da pesquisa” (p. 229). Palavras com significados similares e complementares foram aglutinadas em grupos, formando-se os indicadores. Foram encontrados quatro indicadores, os quais, de maneira pertinente, foram nomeados com os nomes das quatro personagens mulheres protagonistas do filme: Dona Jô, Tcheca, Jéssica e Terezinha. Os indicadores coincidiram com as personagens do filme porque cada uma das personagens representava um estereotipo social de mulher: Dona Jô, a mulher correta, muito trabalhadora, mãe, cozinheira, madura, bonita e “para casar” (os personagens homens do filme querem se casar com ela); Tcheca, a personagem jovem e esbelta, que traja biquínis durante todo o filme e não protagoniza nenhum dos diálogos do enredo (os personagens homens querem ter relações sexuais com ela); Jéssica, que traja roupas extravagantes, mantém relações com diversos parceiros e busca estar próxima de homens “ricos e famosos” (os personagens homens referem-se a esta personagem como “quenga” e “rampeira”); Terezinha, negra, acima do peso padrão, com baixa escolaridade e linguagem precária, durante o enredo é também muito extravagante e fala muito alto, sendo ridicularizada pelo restante dos personagens (os personagens homens referem-se a ela como sendo “desprezível”, “coisa horrorosa” e “animal de grande porte”).

Os indicadores foram articulados em dois núcleos de significação. Segundo os autores, “os núcleos resultantes devem expressar os pontos centrais e fundamentais que trazem implicações para o sujeito, que o envolvam emocionalmente, que revelem as suas determinações constitutivas” (AGUIAR&OZELLA, 2006, p. 231). Foram formados dois núcleos de significação, cada qual nomeado com falas extraídas do filme: “O decote ta excelente!” e “Que horror, pagando mico!”.

O núcleo “O decote ta excelente!” representa os estereótipos da dona-de-casa competente e da beldade, ambos papéis atrelados a visões positivas sobre o que é ser mulher e expressando constantemente a aprovação e aceitação da mulher que se enquadra nestes papéis. A identificação com estes estereótipos e a dimensão emocional intrínseca nestes são mediadores dos processos de construção de sentidos e atividades. De acordo com Saffioti (2001), “em qualquer dos casos – o da dona-de-casa e o da mulher objeto sexual – a mulher está obedecendo aos padrões estabelecidos pela sociedade brasileira” sustentando a tese de que a exposição do corpo feminino como objeto de prazer masculino se configura como uma violência naturalizada dentro da mídia humorística.

O núcleo de significação “Que horror, pagando mico!” representa o estereotipo da mulher que falhou na sua função social: não se adéqua ás normas de comportamento e nem aos padrões de beleza. Este núcleo é marcado por forte carga emocional negativa perante ás constantes humilhações, depreciações e ridicularizações ás quais são expostas as personagens. A identificação com este tipo de estereotipo pode ser mediadora de uma construção de sentidos e atividades alienantes e nocivas ás mulheres, que se desgastam diariamente diante á luta contra a balança e o espelho. Segundo a escritora e militante feminista Naomi Wolf, “a fixação cultural na magreza feminina não é uma obsessão com a beleza feminina, mas uma obsessão com a obediência feminina” (WOLF, 1994, p. 247).

O gênero cinematográfico aqui escolhido para a análise se encaixa na comédia não por coincidência, mas porque nos é importante a problematização do humor propagado por esses recursos midiáticos. O processo de naturalização da violência de gênero aqui explicitado se dá de forma muito sutil sobre estereótipos que inferiorizam a figura feminina por trás de uma cortina de humor, sendo assim, ainda mais perigoso e carente de olhares atentos.

 

Palavras-chave:Sociohistórico. Mídia. Violência.

 

Referencias

AGUIAR, W. M. J.; OZELLA, S. Núcleos de Significação como Instrumento para a Apreensão da Constituição dos Sentidos. Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), p. 222-245, 2006.

 

GUARESCHI, P. A produção dos sujeitos: a tensão entre cidadania e alienação. In: BOCK, A. M. B. et al (orgs). Mídia e Psicologia: Produção de subjetividade e coletividade.2ª ed./Conselho Federal de – Brasília: Conselho Federal de Psicologia, p. 71-89, 2009.

 

https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes-nacionais-buscam-solucao/<<

 

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. 1ºed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

 

SAFFIOTI, Helleieth I., O Poder do Macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987.

 

WOLF, Naomi. O mito da beleza.Rocco, 1994.