Última alteração: 2017-11-06
Resumo
O assédio sexual contra mulheres existe há muito tempo, porém, seu reconhecimento como tema de discussão relevante é recente no Brasil. Trata-se de uma forma de violência a qual as mulheres estão submetidas em seus cotidianos, mas que acabou por tornar-se banalizado e consequentemente, mais difícil de combater, visto que por muitos é considerado “normal” e até mesmo não violento. Além disso, é uma forma de violência de gênero, a qual destaca a desigualdade que ainda existe entre homens e mulheres e o tratamento que ao qual estão expostas. O assédio pode acontecer por ações vindas de homens, que perturbem ou ameacem a mulher de alguma forma, além de gestos com teor obsceno, comentários, etc. (SANTOS, 2015, p. 15). Portanto, o assédio não se dá somente por meio de ações físicas, mas também verbalmente e gestualmente. Além das diferentes formas em que o assédio pode ocorrer, também há vários contextos, e um deles é o ambiente da rua. Assédios em locais públicos geralmente são denominados popularmente por “cantadas”, mas trata-se de algo muito mais sério. Dessa forma, este trabalho buscou investigar o assédio sexual em espaço público e como este ato é uma forma de violência, a partir da análise de relatos de mulheres publicados em redes sociais, que estão na pesquisa “Assédio no ambiente de rua: as repercussões na mulher e sua dimensão violenta” (BATISTÃO; BRIDA, 2017).
A metodologia utilizada para a realização deste trabalho foi a de um estudo exploratório qualitativo, que buscou proporcionar maior familiaridade com o tema (GIL, 2002) e explicar os fatos estudados (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 32). Portanto, os relatos coletados foram lidos e analisados, tendo a Psicanálise como base, com o método interpretativo, além da análise das repercussões psíquicas do assédio, a partir do conceito de Mensagens Sexuais Enigmáticas, de Jean Laplanche (1992), norteador para este trabalho, e do conceito de feminilidade originária, de Jacques André (1996).
Os dados dos relatos foram sistematizados nas categorias “ação” e “reação”. A primeira refere-se à características do assédio, sendo sistematizada em três subcategorias: “tipo de assédio”, ou seja, se é verbal ou físico, por exemplo. A segunda subcategoria foi denominada “características do assediador” e apresentou as informações sobre homem que assediou a mulher. A última subcategoria refere-se ao “contexto do assédio”, isto é, o local em que ocorreu e outras informações sobre o ambiente.
Já a categoria “reação” trata das repercussões do assédio na mulher, incluindo os sentimentos e emoções relatados, a fim de compreender o que o assédio gerou na vítima.
Os resultados da categoria “ação” mostraram como este tipo de assédio é violento, podendo ser verbal, físico, ou até mesmo por perseguições, assobios e olhares. No tipo de assédio verbal foram relatadas expressões como “gostosa”, “hello” em um tom abusado, “que isso, hein bebê!”. Em um dos relatos analisados, a mulher afirmou ter recebido um “olhar malicioso” que a fez se sentir como um objeto. Neste exemplo conseguimos identificar a presença de uma mensagem sexual enigmática, conceito bastante utilizado neste trabalho, e que evidencia a violência na ação de assediar advinda do homem. Este olhar transmite algo sexual, porém, também transmite um enigma, o qual a vítima não consegue interpretar, o que gera este mal-estar. A partir da subcategoria “características do assediador”, verificou-se que a maioria dos homens age sozinho e tem idade mais avançada em relação à vítima. E quanto ao “contexto do assédio”, notou-se que na maioria dos relatos as mulheres estão sozinhas no ambiente público aberto, o que evidência a vulnerabilidade da mulher diante do homem, em situações como estar em um ponto de ônibus, sozinha, enquanto o homem está dentro de um carro, por exemplo. Porém, também foram analisados casos em que o assédio ocorreu em ambientes fechados ou com aglomerações, como ônibus e filas, que parecem contribuir para assédios do tipo físico. Dessa forma, estas características evidenciam uma assimetria de poder entre o autor do assédio e a vítima.
Na categoria “reação” foi possível identificar e analisar o caráter violento do assédio investigado neste trabalho. Os relatos mostraram que o assédio sexual em espaço público repercute nas mulheres de diferentes maneiras. O sentimento de empatia e de solidariedade entre as mulheres foi muito recorrente, expondo como o assédio atinge o feminino e gera preocupação nas mulheres, na forma de sororidade.
Em alguns relatos, as mulheres vítimas do assédio afirmam que não conseguem reagir a isto, além de relatarem medo, sentimento de impotência e passividade diante do homem assediador. Esses sentimentos revelam uma reação às mensagens sexuais enigmáticas transmitidas pelo agressor, em que a mulher não consegue interpretar aquilo, o que torna a situação paralisante. O estado de vulnerabilidade e passividade é uma das características da feminilidade originária, estado inicial da constituição psíquica presente em ambos os sexos e anterior a identidade de gênero. Ao assediar, o homem, defende-se desta posição passiva impondo-a a mulher.
Porém, também há casos em que as mulheres reagem ao assédio, como uma tentativa de mobilização contra isso. Nas mais variadas formas de reação dessas mulheres, reafirmou-se como o assédio repercute de maneira negativa nelas, devido, novamente, às mensagens sexuais enigmáticas que existem no assédio, e que configuram este ato como violento, devido ao trauma que causa, por não poder ser traduzido pela mulher.
A partir das análises realizadas, verificou-se que além do conteúdo sexual explícito que o assédio carrega, há também o conteúdo não explícito, que encontra-se nas mensagens sexuais enigmáticas, o que reafirma o assédio no ambiente da rua como uma forma de violência. Estas mensagens podem ser descritas como um excesso que a mulher não consegue traduzir, logo, é o que torna o assédio um evento tão traumático em sua vida. Além do desejo sexual o enigma transmite um ataque à feminilidade, que busca colocar a mulher em uma posição de passividade diante do homem, um objeto vulnerável a ser destruído pelo outro. Dessa forma, acreditamos que este trabalho foi de extrema relevância, pois buscou expor o caráter violento do assédio no ambiente da rua, a partir de um estudo mais aprofundado dos conceitos de mensagens sexuais enigmáticas e feminilidade originária. Isto é, buscamos investigar o aspecto violento deste tipo de assédio no ambiente acadêmico, visto que ainda não há muitos estudos científicos sobre o tema, e com os resultados obtidos, acreditamos que ainda há a necessidade de expandir as investigações sobre este assunto e sua especificidade, a fim de proporcionar uma maior discussão na sociedade e consequentemente, o seu enfrentamento por meio de políticas públicas, por exemplo.