Portal de Eventos - UEM, II Seminário de Pesquisa em Análise do Comportamento: Práxis em Análise do Comportamento

Tamanho da fonte: 
Skinner: Dr. Fausto?
Carolina Laurenti

Última alteração: 2019-06-14

Resumo


Na versão de Goethe, Dr. Fausto era um sábio frustrado, pois todo o seu conhecimento era inócuo, sendo incapaz de promover mudanças úteis na sociedade. Ávido pela aplicação prática de seu vasto conhecimento, Fausto faz um pacto com Mefistófeles, um demônio que viabilizaria as transformações almejadas pelo sábio em troca de sua alma. O desfecho dessa aliança é trágico, pois as mudanças tão ansiadas por Fausto são realizadas às custas da perda de sua própria humanidade, pois tudo e todos que se apresentavam como obstáculos à realização de seu glorioso plano (a construção de uma nova sociedade) são aniquilados. A história de Fausto, por vezes, é usada para ilustrar os efeitos perniciosos do próprio progresso da técnica e de sua relação com a ciência. No âmbito da ciência moderna, a relação entre conhecimento científico e técnica foi se tornando mais estreita, de tal modo que se verifica uma relação de retroalimentação entre elas, a tecnociência. No entanto, quando a técnica se torna a finalidade da ciência, o próprio télos do conhecimento científico (a melhoria da condição humana e do planeta) se desvirtua. À semelhança de Dr. Fausto, Skinner estava preocupado com o destino do mundo que, segundo ele, caminhava para a destruição. Ao mesmo tempo, Skinner acreditava que dispunha de uma ciência, a Análise do Comportamento, cuja aplicação poderia contribuir com a resolução dos problemas humanos e com a construção de um mundo melhor. Em vista dessas similitudes, cumpre indagar: Skinner teria vendido a alma para Mefistófeles? Metaforicamente, vender a alma para Mefistófeles seria colocar a técnica como a finalidade da Análise do Comportamento, almejando sua aplicação a qualquer custo, além de desconsiderar seus eventuais efeitos nefastos. A despeito de ter sido um entusiasta em relação à aplicação da ciência do comportamento, Skinner não ignorou que a tecnologia comportamental poderia ser usada para fins sinistros. Indicou, outrossim, alguns controles do comportamento do analista do comportamento que poderiam desvirtuar a ciência e a tecnologia de seus fins humanitários: o controle institucional. De acordo com Skinner, se o analista do comportamento atuar de modo irrefletido conforme o controle institucional, a ciência e a tecnologia do comportamento presumivelmente seriam usadas em favor dos controladores e não dos controlados, contribuindo, em última instância, para manter um sistema de reforçamento hierárquico e desigual. Skinner, portanto, abriu mão da possibilidade de aplicação da ciência do comportamento em larga escala por meio do controle institucional, em favor de um uso mais justo e democrático, ainda que de escopo restrito e local. Considerando que Mefistófeles está sempre à espreita, com argumentos que apelam, de modo irrefletido, à resolução rápida e imediata de problemas humanos, é preciso resistir aos seus encantos. Para tanto, é necessário inserir a discussão das implicações ético-políticas da aplicação da ciência comportamental de modo tão sistemático e diligente quanto a Análise do Comportamento o faz com respeito às questões metodológicas e procedimentais.




Texto completo: PDF